quarta-feira, 15 de agosto de 2012

A ARTE DE VIVER...

Capins (Rosan)



A ARTE DE VIVER...

Poderemos assumir a angústia da incompletude  de
nossas vidas e da incerteza do destino humano?

Poderemos aceitar ser abandonados pelos deuses?
Poderemos abandoná-los?

Saberemos suficientemente que só a vivência do
amor e da poesia é capaz de afrontar a angústia e a
mortalidade?

Poderemos inibir a megalomania humana e
regenerar o humanismo?

Poderemos fortificar as mais preciosas, as mais
frágeis manifestações, que são o amor e a amizade?

Poderemos conviver com os monstros que também nos habitam,
pela virtude do amor e da fraternidade?

Poderemos praticar a reforma interior que nos
tornaria seres humanos melhores?
(Edgar Morin, em "L'Identité  humaine").


O indivíduo de hoje não tem outra escolha, senão fazer escolhas e elas definem, pelo menos em parte, 
 o seu destino.
As escolhas que fazemos ao longo da vida dependem fundamentalmente daquilo a que atribuimos valor.
Substituímos uma coisa por outra, lutamos mais por uma do que por outra, em função do que cada uma vale para nós.Os valores têm uma existência intrínseca, "valem" pelo que são.

Ora, as sociedades de mercado consideram sem valor tudo aquilo que não tem preço, contaminando com sua lógica tudo que as cerca, na ânsia de colocar em números, de medir, de calcular tudo que existe, para só então decidir se tem ou não valor, desde o "capital humano" até o "recurso humano", subentendendo que cada ser humano é ele mesmo passível de avaliação monetária.

Poderemos, seremos capazes de sair dessa sociedade de mercado, que reifica as relações sociais, construindo um sentido para a vida em si mesma, na fruição dos momentos, que não são vendáveis nem compráveis?

As vidas pioneiras, a dissidência social são as brechas por onde o novo penetra.
São o ponto de partida das transformações...

Os atores da transformação nascem sempre de uma situação de crise.
Uma crise ocorre quando algúem já não pode continuar a ser quem era, ainda não pode ser outra pessoa e não pode, salvo morto ou delirante, deixar de ser, de existir...

Nesses momentos de Terra de Ninguém é que podemos "gestar e dar à luz" a nos mesmos, a um novo eu construído com o que nos é dado em determinado momento de nossas existência.
Construir, com nossos fragmentos, figuras coerentes, inteligíveis e luminosas...
O que é obras de artistas, entregues à arte de viver.

Poderemos? Saberemos? Ousaremos?


Rosanna Pavesi/agosto 2012




sábado, 11 de agosto de 2012

SEXO, VOLUPIA CARNAL E AMOR

The Tree of Life - G.Klimt


SEXO, VOLÚPIA CARNAL E AMOR...


Tema inesgotável, sexo, volúpia, amor...
Dando continuidade às reflexões dos posts mais recentes,
 transcrevo a seguir alguns trechos de "Cartas a Um Jovem Poeta", por Rainer Maria Rilke.

Livro antiguinho, dirão alguns, mas que - a meu ver - ainda propõe reflexões contemporâneas...

Sobre sexo e volúpia...

"...A carne é um peso difícil de se carregar. Mas é difícil o que nos incumbiram; quase tudo que é grave, é difícil: e tudo é grave. Se chegar a reconhecer isto e a alcançar - partindo de si - uma relação inteiramente sua, livre de convenções e costumes, com a carne, não mais deverá temer o perder-se e o tornar-se indigno de sua posse mais preciosa.

...A volúpia carnal é uma experiência dos sentidos, análoga ao simples olhar ou à simples sensação com que um belo fruto enche a língua. É uma grande experiência sem fim que nos é dada; um conhecimento do mundo; a plenitude e o esplendor de todo o saber.
O mal não é que nós a aceitemos; o mal consiste em quase todos abusarem dessa experiência, malbaratando-a e fazendo dela um mero estímulo para os momentos cansados de sua existência, uma simples distração, em vez de uma concentração interior para as alturas.

...Pudesse o homem acolher com maior humildade este segredo de que a terra está cheia até em suas coisas mais ínfimas; carregá-lo e suportá-lo com mais gravidade, sentindo-lhe o peso, em vez de tratá-lo com leviandade. Pudesse ter respeito para com a própria fecundidade, que é uma só, embora pareça ora espiritual, ora corporal.

... A idéia de ser criador, de gerar, de moldar, não é nada sem sua grande e perpétua confirmação da vida; nada sem o consenso mil vezes repetido das coisas e dos animais. Seu gozo não é tão indescritivelmente belo e rico senão porque está cheio de reminiscências da geração e da parte de milhões de seres. Numa idéia criadora revivem mil noites de amor esquecidas que a enchem de altivez e altitude. Aqueles que se juntam à noite e se entrelaçam num baloiçar de volúpia, executam obra grave, reunindo doçuras, profundezas e forças para a canção de algum poeta vindouro que há de surgir para dizer indizíveis prazeres.

... Talvez os sexos sejam mais aparentados do que se pensa e a grande renovação do mundo talvez resida nisto: o homem e a mulher, libertados de todos os sentimentos falsos, de todos os empecilhos, virão a se procurar não mais como contrastes, mas sim como irmãos e vizinhos; a juntar-se como seres humanos para carregarem juntos, com simples e paciente gravidade, a sexualidade difícil que lhes foi imposta.

Sobre amar...

... Amar é bom, mas o amor é difícil. O amor de duas criaturas humanas talvez seja a tarefa mais difícil que nos foi imposta, a maior e última prova, a obra para a qual todas as outras são apenas uma preparação.O amor, antes de tudo, não é o que se chama entregar-se, confundir-se, unir-se a outra pessoa. Que sentido teria, com efeito, a união com algo não esclarecido, inacabado, dependente?

...O amor é uma ocasião sublime para o indivíduo amadurecer, tornar-se algo em si mesmo, tornar-se um mundo para si, por causa de um outro ser; é uma grande e ilimitada exigência que se lhe faz, uma escolha e um chamado para longe.
Nenhum terreno da experiência humana é tão cheio de convenções como este, o do amor. Há nele uma profusão de cintos salva-vidas, toda espécie de refúgios preparados pela opinião que, inclinada a considerar a vida amorosa um prazer tão só, teve de torná-la fácil, barata, sem perigos e segura como os prazeres do público.

...As  questões do amor não podem, menos ainda do que qualquer outra questão importante, ser resolvidas em comum, conforme um acordo qualquer; que são perguntas feitas diretamente de um ser humano para outro, que em cada caso exigem uma resposta específica, estritamente pessoal.
Mas como podem aqueles que já se atiraram uns aos outros e não mais se delimitam nem distinguem, quer dizer, que nada possuem de seu, encontrar uma saída em si mesmos, no fundo de sua solidão já derramada?
Tudo o que parte de uma comunhão mal coagulada é convencional : todas as relações resultantes de tal confusão encerram a sua própria convenção, por menos usual que seja.
A própria separação seria aí um passo convencional, uma decisão fortuita e impessoal,
sem força nem fruto.

...Como para a morte, que é difícil, também para o difícil amor não foi encontrada até hoje uma luz, uma solução, um aceno ou caminho.
Não se poderá encontrar para ambas estas tarefas, que carregamos veladas em nós e transmitimos sem as esclarecer, nenhuma regra comum, baseada em qualquer acordo.

...As exigências feitas à nossa evolução pela tarefa difícil do amor são sobre-humanas e, quando estreantes, não podemos estar à sua altura. Mas se persistirmos e perseverarmos então, talvez, um leve progresso haverá de surgir..."

Talvez, como já disse J.Hillman em algum lugar que agora não recordo:

"a grande tarefa da vida, não é 'vencer a morte', mas sim encontar Eros, o Amor..."

e honrá-lo, acrescento eu...


Rosanna Pavesi/agosto 2012

(Notas: "Cartas a um Jovem Poeta", Rainer Maria Rilke)



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