domingo, 25 de novembro de 2012

A PSIQUE EM BUSCA DE EXPRESSÃO: METANÓIA E VOCAÇÃO (III)



(Autor desconhecido)


METANÓIA, PINTURA E VOCAÇÃO


SOBRE METANÓIA E VOCAÇÃO...





Pedra-ovo (by Rosan)


"Cada pessoa tem uma singularidade que pede para ser vivida e que já está presente antes de poder ser vivida..."
(James Hillman em O Código do Ser, Rio de Janeiro, Objetiva, 1997, p. 16)


Vocação, neste contexto, assume a conotação de um chamado interior profundo,
 um apelo daquilo que necessitamos fazer, parte essencial de nossa individualidade,
 de nossa identidade pessoal, que - principalmente na metanóia -
leva frequentemente a uma mudança por vezes radical, na vida como um todo.

Na busca de um novo sentido, reestruturamos nossa identidade profissional,
nossa forma de estar no mundo, nosso estilo de vida, nossas prioridades...

Ressignificamos aquilo que é essencial, importante, secundário, supérfluo, prioritário ou só urgente...
Re-definimos aquilo sem o qual não podemos viver e aquilo que pode ser deixado para trás...

Na metanóia, a nosso ver, o resgate e/ou a descoberta vocacional  insere-se num contexto mais amplo, em um processo denomidado por Jung de processo de individuação:
o tornar-se aquilo que se é,
o des-velar e vivenciar, da forma mais plena possível, o potencial de nossa singularidade,
em todas suas nuances de luminosidade e sombras, de abertura e limites...

É um "último chamado" para a autenticidade...

Nesta fase, dois instintos parecem predominar:
o instinto de reflexão
compreendido como um voltar-se temporariamente para dentro,
para longe do mundo e dos objetos externos,
 em direção às imagens e experiências psíquicas subjetivas,
à religiosidade e à busca de significado.

o instinto criativo
como uma necessidade de vida.
Segundo J. Hillman (1) a criatividade, bem como os outros instintos, requer consumação, sendo capaz de produzir imagens de seus objetivos e de orientar o comportamento para a sua satisfação.
Lembramos também que, para Jung, o prototípo do inconsciente não é o reprimido,
 mas também o criativo e o ainda não vivido.

A ressignificação do trabalho como instrumento de auto-realização vocacional
é parte essencial deste processo.
Do ponto de vista prospectivo, acreditamos que, nesta faze de vida,
o instinto criativo possa ser imaginado e pensado como impulso para a totalidade.
Este impulso para a auto-realização age com a coercitividade de um instinto,
somos impelidos a sermos nós mesmos...

E, talvez,seja esta a verdadeira tarefa humana criativa? 


Rosanna Pavesi/novembro 2012


(NOTAS: (1) - James Hillman, O Mito da Análise, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1984)









sábado, 17 de novembro de 2012

A PSIQUE EM BUSCA DE EXPRESSÃO: METANOIA E PINTURA (II)




 

(Autor desconhecido)


(II) - METANÓIA E PINTURA... E VOCAÇÃO...



SOBRE O PROCESSO




A Chuva (by Rosan)


Tudo parece começar com um certo mal-estar, certa falta de sentido...
A vida parece perder a graça, há um vazio, ou melhor, um vácuo... um vácuo que resiste...
Uma parte de nós mesmos parece estar flutuante, faltante, ausente, ou ainda não nasceu?
Para conter este mal-estar, buscamos um canal criativo, algo novo,
algo que nunca fizemos antes,
 uma atividade expressiva, frequentemente...
No nosso caso, a pintura...

Inicia-se um grande caso de amor com a pintura:
pintamos com paixão, com uma "fúria divina",
 extasiados com as possibilidades desta nova linguagem.
 Esquecemos do tempo, totalmente imersos no ato criativo.
Lutamos para dar forma e cor a enseios invisíveis e, no limite, indisíveis...
Algo quer vir a tona:
não sabemos bem o quê, mas deixamos as imagens aflorar...
Sentimo-nos preenchidos novamente, revitalizados,
voltamos a ter contato com nosso mundo interior através da pintura
e isto, por algum tempo, nos basta...

O espaço do pintar torna-se um espaço sagrado, nosso temenos,
que tanto pode servir de refúgio,de parêntese para um cotidiano insatisfatório,
como de espaço de construção, e/ou de transformação,
um útero psicológico onde entramos em busca de renovação,
onde ousamos  penetrar no criativo e acolhemos a visita da  imaginação...

Encontramos um canal onde a energia criativa,
para a qual ainda não temos espaço em nossa vida,  pode fluir.
Pintamos para nos, pintamos por necessidade de expressar, de alguma forma,
algo incipiente, algo que ainda não sabemos nem nomear...
Pintar, criar, é sempre um ato solitário, intimo, recluso...
Assim, frequentemente, após certo tempo,
só pintar também não basta...
Só pintar também já não resolve mais...

O que acontece?
Acontece que a energia quer voltar a progredir,
 o impulso criativo quer expressar-se no mundo externo e em nossa vida como um todo.
Após o mergulho solitário, após o recolhimento,
 o impulso para a ação e a atividade externa  torna-se premente, dominante, novamente.

Para que, então, a pintura surgiu em nossa vida?
Qual seu telos, sua intencionalidade?

Gosto de pensar que ela veio para nos sacudir, para deixar o novo, o criativo, penetrar em nossa vida.
Após pintar, após criar e expressar algo que antes não existia,
torna-se intolerável não resgatarmos a nós mesmos, ao "sonho" que deixamos para trás,
ou à vocação, cujo chamado é ao mesmo tempo fascinante e assustador.

Compreendemos, dolorosamente, que algumas das escolhas anteriores já se esgotaram ou que,
de alguma forma, elas já não fazem mais sentido para nós, que elas já não preenchem mais...
E, após a metanóia, 
 há muita vida ainda para ser vivida...

Neste caso, a pintura veio como instrumento para mergulharmos em nosso mundo interior,
 libertarmos nossa criatividade encapsulada. 
A criatividade possui uma peculiaridade:
uma vez libertada, ela se espalha e, aos poucos, vai abrangendo as mais diversas áreas de nossa vida,
em geral de forma bastante benéfica.
Tudo muda...

Ganhamos força e coragem para mudar aquilo que precisa ser mudado,
reconquistando a capacidade de avançar em curso modificado.
Compreendemos que a pintura talvez não seja a meta em si,
 mas o instrumento tão só para algo maior...

Ela é o dedo que aponta para a lua,
mas ela não é a lua...
A nossa "lua" é o chamado daquilo que deve ser acolhido em nossa vida.
No nosso caso, é o chamado da vocação...

Encontramos recursos internos e força para abrirmos mão, muitas vezes, de conforto, segurança, status social, e lançarmo-nos ao resgate de uma parte de nós mesmos que pede para nascer psicologicamente.
Nossa vocação pede para ser vivida...

Se estamos em terapia, a terapia torna-se um lugar seguro para ensaiar, analisar,
descartar, imaginar a mudança antes de colocá-la em prática. 
Através deste estar frente a frente com o material produzido e consigo mesmo,
tendo o terapeuta como companheiro de viagem,
o indivíduo pode ir se apossando de seus conteúdos mais profundos.
Sonhos começamos a surgir, oportunidades nunca antes percebidas passam a ganhar espaço,
buscam-se dados, canais e informações concretas "lá fora"...
Pintamos menos, ou já não tão só...

Assim como um dia tivemos a ousadia de pegar um pincel e começar a pintar,
agora ousamos pensar como possível o que era tido como impossível.
"Enraizamos"...
Passamos da intenção para a ação planejada,
transformamos um "sonho" prenhe de significado em projeto de vida,
percorremos os caminhos do excesso de entusiasmo,
do desânimo, dos medos e das dúvidas...

Nunca é fácil, mas descobrimos que não há outra saída a não ser tentar...


Rosanna Pavesi/Novembro 2012


(Notas: "A Psique em Busca de Expressão - Pintura e Vocação na Metanoia", Rosanna Pavesi - Artigo publicado em
Jung e Corpo - Revista do Curso de Psicoterapia de Orientação Junguiana Coligada a Técnicas Corporais -
 Ano III, N.3, 2003 - São Paulo, Instituto Sedes Sapientiae)

 

domingo, 11 de novembro de 2012

A PSIQUE EM BUSCA DE EXPRESSÃO: METANOIA(I) , PINTURA (II) E VOCAÇÃO (III)


(autor desconhecido)


A PSIQUE EM BUSCA DE EXPRESSÃO
Metanoia, Pintura e Vocação



"Sempre que me sentia bloqueado, eu pintava ou esculpia uma pedra: tratava-se sempre de um  rite d'entrée que trazia pensamentos e trabalhos... ''(C.G. Jung, Memórias, Sonhos, Reflexões, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1993)



(I) - SOBRE A METANÓIA...

"Nel mezzo del cammin di nostra vita..." como já disse Dante Alighieri...
Aquele momento, em nossa vida, talvez entre os 35 e 45 anos (?), quando já podemos olhar para trás, olhar para aquilo que já fizemos, que já alcançamos  e nos perguntamos se queremos
continuar no mesmo caminho... ou não...
A metanóia:
Uma crise existencial?
Uma oportunidade existencial?


Na metanóia, extensas áreas de nossa vida são frequentemente questionadas e reavaliadas...
Muitas vezes algum tipo de resgate ou mudança impõe-se de forma premente e inadiável.
Digo impõe-se porque, de fato, não temos escolha:
Somos compelidos a olhar para dentro, para nossos anseios mais profundos, para o não-vivido, os "sonhos" esquecidos e haver-se com eles.

Fazemos um balanço, reavaliamos nossas prioridades, nossa forma de estar no mundo,
em busca de um novo sentido, de algum sinal...

Sentimos que estamos em uma encruzilhada, mas não sabemos qual direção tomar...
Sabemos que temos um passo a dar, uma escolha a fazer, mas estamos com medo...
Talvez haja um projeto de vida a resgatar, mas não sabemos nem como, nem por onde começar...
Ou, ainda, nada mais parece fazer sentido, ter graça, a vida tornou-se árida, opaca...

Não sabemos o que fazer, buscamos uma saída...

E...PINTAMOS, BORDAMOS, MOLDAMOS, DANÇAMOS, ESCREVEMOS, COZINHAMOS,
DESENHAMOS, ESCULPIMOS...

Eu não esculpia, nem desenhava, nem dançava ou moldava,

EU SOMENTE  PINTAVA...

Quando, na metanóia, a pintura (ou outra expressão artística não usual para nos) entra de repente em nossa vida -como foi o meu caso e de outros que tive o privilégio de acompanhar - só pintar não basta...

Precisamos descobrir a que a pintura veio e o que a psique quer comunicar...

Levanto a hipótese de que, talvez,  a psique esteja buscando chamar nossa atenção,
 expressando-se de forma insólita através de nos...
que esteja tentando nos mostrar e dar forma a um potencial ainda não revelado, ou ainda não vivido que pede passagem...
Qual o telos, a finalidade, o proposito? 

O que a psique quer?


(Notas: A PSIQUE EM BUSCA DE EXPRESSÃO - Pintura e Vocação na Metanoia", artigo por Rosanna Pavesi em  JUNG & CORPO- Revista do Curso  de Psicoterapia de Orientação Junguiana Coligada a Técnicas Corporais - São Paulo, Sedes Sapientieae,
Ano III - N. 3 - 2003).


Rosanna Pavesi/Novembro 2012

No próximo post:
METANOIA E PINTURA (II)



domingo, 4 de novembro de 2012

MINHA CASA...


Sem Título (by Rosan)

MINHA CASA...

Fiz uma casa para mim...

Cobri com um teto, coloquei piso e paredes
Peguei minha casa e instalei em chão de terra firme, sólida, bem batida
Ficou uma casa bem bonita, eu pensei...
Vou colocar flores nas janelas...

Abri a porta e entrei: nossa, que bagunça!

Assim, coloquei ordem na casa toda, tudo em seu devido lugar:
o sofá e a mesa na sala,
os livros nas estantes,
a cama e o colchão no quarto,
a geladeira na cozinha,
as toalhas no banheiro.
Tudo nos conformes, tudo no lugar certo, como fazem as pessoas certas...
Ficou uma casa certa, para pessoas certas
Uma casa prática, com certo conforto até...

Você entra, senta no sofá, come na mesa, dorme no quarto, lê os livros das estantes, guarda comida na geladeira, escova seus dentes no banheiro, igualzinho à casa de todos, coisas de turista acidental...

Você vai ver: com tudo em seu devido lugar, as coisas vão melhorar...
Assim, sentei a esperar
E comecei a olhar minha casa por dentro...

Mas
Eu gosto mais da poltrona da sala no meu quarto
Não tenho espaço no cozinha, o freezer vai para o serviço
Gosto das violetas na mesinha de canto, mas sinto mais falta delas na pia do banheiro
Não tenho empregada para ocupar o quarto, mas preciso de um atelier...

Ah, moça, mas que bagunça, que coisa desastrada....
Assim não vai dar certo nunca!

E se eu quiser um atelier e não uma empregada
Se eu quiser a poltrona da sala no meu quarto
E minhas violetas no banheiro
Que mal há nisso?

Manterei a casa limpa
Deixarei o sol entrar
As violetas respirar
Mas...
Me deixe como eu sou...
Um pouquinho diferente, um pouquinho só
Vamos lá...

(Rosan)


Rosanna Pavesi/Novembro 2012