domingo, 30 de novembro de 2014

TEMPO E MUNDO...

                                                            Sem Título - Autor desconhecido - Fonte: WEB


TEMPO E MUNDO...


"(...) O tempo passa, o tempo avança.
No passar do tempo, passamos nós,
no avançar do tempo, avança o mundo...

O tempo nos contém, somos contidos - limitados e envolvidos pelo tempo.
O tempo é nossa possibilidade  de ser, de vir a ser. 
Mortais. Mundo. Nada é fora do tempo.
No tempo se nasce, morre, vive-se. Passa-se, avança-se.
Acompanhados de tudo, de tudo mais que também é no tempo.
Tudo é no tempo. Nada é o tempo.
O que é o tempo?

Dizemos: o tempo. O tempo está bonito, feio. 
O tempo passou rapidamente ou demora para passar.
Vivemos todos num mesmo tempo, tudo se dá no tempo e com o tempo,
afirmamos nós.
E, no entanto, quem está bonito ou feio não é o tempo,
mas o céu, o ar, os ventos ou a tempestade.
Quem passa ou avança não é o tempo, mas nós: nós e o mundo...
Vivemos aqui ou ali, numa casa, numa cidade, mas não vivemos no tempo.

(...) Esse é o tempo. 

Contém e transporta todas as coisas, o mundo, 
mas ele-mesmo não é propriamente nada, não está em lugar algum,
não é um lugar qualquer. 
O tempo não é, mas contém.
Não sendo um lugar, no entanto, transporta tudo que vem e que veio a ser.
Contém tudo que será e o que, já não sendo mais, se retém,
contido no memória (na memória do tempo, dizemos nós)...

Dizemos: o tempo é como um rio - o tempo passa e, passando,
carrega e passa todas as coisas: nele tudo que chega vira passado.
O tempo passa passando tudo.
Mas se o tempo não é, como pode"ele" conter e transportar?
Como pode representar para nós, o conjunto das coisas que, ainda não sendo,
um dia virão a ser - aquilo que chamamos futuro?

Dizemos tempo para nos referirmos ao vir-a-ser do mundo como tal!
Embora não seja o mundo, o tempo é como o mundo, 
uma referência ao mundo.

O mundo não é somente um amontoado de tudo.
O mundo não é apenas um recipiente,
mas um abrigo que possibilita que tudo que nele está,
esteja entre-si: ao mesmo tempo...

Embora não configure um lugar, o tempo faz do mundo uma morada.
O lugar, por excelência: a casa de todos.
O lugar onde se vive sempre com e entre todas as coisas.

Graças ao tempo,
podemos estar no mundo..."

(Fonte: A Experiência do Nada como Princípio do Mundo - Guy Van de Beuque - 
Mauad/Faperj, 2004)

Um dos textos mais poéticos, realistas e tocantes que já li sobre o tema...
O tempo e o mundo ganharam, para mim, uma nova dimensão e amplidão...

Rosanna Pavesi/Dezembro 2014









domingo, 23 de novembro de 2014

UMA ABORDAGEM AO SONHO...


                                                                Blue Landscape - Web





UMA ABORDAGEM AO SONHO – POR PATRICIA BERRY.

A Editora Vozes acaba de lançar o livro “O Corpo Sutil de Eco – 
Contribuições para uma Psicologia Arquetípica” por Patricia Berry.

(Original:  ”Eco´s Subtle Body–Contributions to an Archetypal Psychology”, 
Spring Publications, Second revised and expanded edition, 2008).

Não tenho ainda a edição em Português, somente em inglês, 
na segunda edição ampliada e revisada de 2008. 

É um livro que, a meu ver, merece ser conferido...
Relato, a seguir, um breve resumo de uma parte do texto dedicado a sonhos...



IV - UMA ABORDAGEM AO SONHO...

(...) Cada analista possui, inevitavelmente, seu próprio estilo, 
sendo que sua abordagem a um sonho também inevitavelmente refletirá seu estilo... 
Berry identifica 07 estilos de analistas...

Pessoalmente, não me identifiquei com nenhum deles, 
de forma que eu vou acrescentar um oitavo estilo, o terapeuta maiêuta 
(do grego, maiêuta = parteira), aquele que assiste alguém a dar à luz, 
que auxilia o outro no parto de um novo conteúdo, de algo novo, de si mesmo, 
que é o estilo com o qual me identifico.

A finalidade de Berry é oferecer um instrumento para apanharmos 
mais precisamente nossas ideias subjacentes presentes quando olhamos para um sonho 
e criar uma autoconsciência interpretativa sobre o que estamos colocando em prática 
e como colocamos em prática nossa teoria, cientes de nossos “pontos cegos” e limites
 (interpretar nossas próprias interpretações...) sem nunca perdermos nossa sensibilidade.


        Premissa básica:

Um sonho é algo em si e por si mesmo.
 É um produto imaginal. É uma imagem.

       Idealmente:

Descobrir o que a imagem quer e daí determinar nossa terapia.


O QUE QUEREMOS DIZER POR IMAGEM?  
(Desmontagem e Análise da Imagem)

I – IMAGEM

·       Passar do modo perceptivo (natural) ao modo imaginativo

·       Atentar para as seguintes características da imagem:
Sensualidade
qualidades sensoriais da imagem
Textura
seguir e sentir sua tecedura
 Emoção 
o tom, a qualidade da emoção
Simultaneidade
tudo é dado de uma vez só
Intra-Relações 
todos os elementos do sonho estão de alguma maneira conectados
Valor 
algumas imagens são mais potentes, mais atraentes que outras
Estrutura
relações estruturais; as imagens de certa forma dependem umas  
das  outras para seu significado



II – IMPLICAÇÃO

·       Atentar para:

Narrativa 
estrutura dramática, cenário, desenvolvimento, peripetéia, lysis
Amplificação 
semelhanças pela essência
 Elaboração 
a elaboração do sonhador conta-nos mais sobre o sonhador 
  do que sobre o sonho – é ego-sintônica;
 cuidado para não perder as sutilezas de uma figura onírica em si
Repetição 
semelhanças de todo e qualquer tipo que mostram 
um tema dentro do sonho
Reafirmação
re-contar, deixar que o sonho soe novamente, 
enfatizar a qualidade metafórica, as nuances

III – SUPOSIÇÃO

·       Atentar para:

Causalidade
o sonho como imagem NÃO faz nenhuma afirmação causal.
Os eventos são conectivos sem serem causais, 
como na pintura ou na escultura
Avaliação
no nível da imagem, qualquer afirmação positiva/negativa, 
juízo de valor, avaliação NÃO se aplica, 
pois a imagem simplesmente  é.
Generalização 
um sonho é uma afirmação específica de uma constelação particular, 
de forma que qualquer tentativa de generalização  é uma mera suposição.
Especificação 
ao invés de ampliar o contexto do sonho,
 a especificação refere-se a seu estreitamento para uma aplicação específica (...)


Baseado nas sugestões da própria autora, eu me permito acrescentar:

NÃO: 
explorar a imagem em função daquilo que assumimos 
serem nossos objetivos terapêuticos.

SIM: 
respeitar o imaginal...

FALAR COM OS SONHOS, EM SUA PRÓPRIA LINGUAGEM, 
ONIRICAMENTE...
(ao invés de “falar de sonhos”...)


Rosanna Pavesi/Novembro 2014                  

terça-feira, 11 de novembro de 2014

SONHEI UM SONHO...

O Barco dos Sonhos - (Web)


SONHEI UM SONHO...

SONHEI UM SONHO

E LEMBREI-ME DO SONHO

E ESQUECI-ME DO SONHO

E SONHEI QUE PROCURAVA

EM SONHO AQUELE SONHO

E PERGUNTO SE A VIDA

NÃO É UM SONHO QUE PROCURAVA UM SONHO...

(Cecilia Meirelles)


Somos nos que sonhamos
ou é o sonho que nos sonha?

Rosanna Pavesi/novembro 2014





segunda-feira, 10 de novembro de 2014

O OCO, O VAZIO E SEUS RECIPIENTES...

Garrafas by G. Morandi


O OCO, O VAZIO E SEUS RECIPIENTES...

RECIPIENTE: ALGO QUE CONTÉM...


O OCO DO RECIPIENTE...

O VAZIO NO OCO...


Cada recipiente possui sua forma específica.
Seu interior é oco, vazio.


Cada recipiente ganha forma ao redor deste oco vazio...
É o vazio que determina a forma, confere forma,
não a forma que determina o vazio...

Na Cultura Ocidental o espaço no interior de um recipiente é simplesmente isto:
um vazio...


Admiramos recipientes pela sua aparência externa,
quer seja a pátina de um pote, o corte de um cristal, a trama de um cesto,
a alça de uma caneca,..


Valorizamos seu interior unicamente pela sua função e na medida 

daquilo que eles podem conter:
 meio litro, um litro, um quilo, mito, pouco, mais menos e assim por diante...

Entretanto, no Budismo, o vazio do oco é menos um vácuo e mais uma força positiva:


É o espaço oco que contém o vazio...
É sempre o interior que modela ao redor de si mesmo a forma externa visível.

A firme e delicada imobilidade de um vaso chinês inicia-se em seu interior:
a forma elaborada que apreciamos externamente é a imobilidade que emana do oco vazio.
E é sempre um vazio específico que habita uma forma específica...


Cada cultura sempre influencia as formas dos recipientes produzidos;
 eles revelam qualidades misteriosas de uma cultura 
que talvez nenhuma outra de suas outras manifestações artísticas 
e textos escritos cheguem a revelar.

Formas estranhas, formas aperfeiçoadas de diversas dinastias chinesas, 
potes gregos, etruscos, fenícios, rococó francês, as cerâmicas de Picasso, 
os quietos conjuntos de garrafas de Morandi, 

A garrafa de cerveja, a antiga garrafa de Coca-Cola, a garrafa de leite, 
o cantil, e assim por diante...
Todos os recipientes expondo o invisível "espirito do tempo" de um época,,,
o visível moldado pelo invisível...

De forma geral, nossa natureza Ocidental aborrece o vácuo...
Tentamos preencher o vazio com o que quer que seja:
 "junk food", auto-ajuda barata, bebida, compras, 
os mais recentes "gadgets" tecnológicos, 
 etc,etc,

A Alquimia vai na contramão:
sugere que essas sensações e sentimentos de vazio
são prenúncios de um recipiente, ou diversos recipientes, 
em formação...

O vazio está construindo uma forma, um espaço oco, 
uma forma, um espaço oco específicos.

Modos de contenção, modo de medição, modos de diferenciação.

Talvez seja assim que a realidade da psique tente abrir seu caminho 
para ganhar vida,
 dar uma nova forma à nossa própria vida:
 através destes "sinais" de vazio...

Ás vezes o vazio pode ser localizado fisicamente: 
bem ali, na barriga,
logo atrás do coração, me fazendo sentir leve, tonto...

Ás vezes aparece em sonho como uma sensação de estar caindo no espaço, 
ou  como um buraco, uma caverna escura, um objeto com formato de ovo...

Enquanto NÃO atribuirmos poder formativo  
àquilo escondido no interior de um recipiente, 
continuaremos fazendo uma leitura unilateral de sua função: 

o jarro contém a água, o vaso contém as flores, o cesto contém as frutas...

Desta forma, o oco vazio interior não passa de um mero receptáculo:
o que conta é a água, as flores, as frutas.

Outra leitura possível:

o jarro está umidificando-se, 
o vaso florindo, 
o cesto frutificando...
o oco vazio como fonte de beleza...

Recipientes: métodos de contenção.

(Notas: tradução livre de um texto de James Hillman - The Void of Vessels em Alchemical Psychology - 
Uniform Edition Vol, V - Spring, 2010)


Você nunca se sentiu oca, porém não vazia?
Como se este espaço oco estivesse se preparando 
para se tornar um útero psicológico: 
um receptáculo para acolher e gestar algo novo? 

Eu já...

Por isto é texto de Hillman me fez pensar, 
refletir, mudar minha forma de ver "recipientes"...

Rosanna Pavesi/novembro 2014