quinta-feira, 4 de junho de 2015

SOBRE ALQUIMIA: AS OPERAÇÕES...

O Inverno  - by Rosan




OPERAÇÕES ALQUÍMICAS

E.F. Edinger em seu livro Anatomia da Psique – Cultrix, 1995,
 organiza e concentra a atenção naquelas que, de seu ponto de vista, 
são as principais operações alquímicas.

Descoberta a prima matéria, deve-se submetê-la a uma série de  procedimentos químicos
 a fim de transformá-la na Pedra Filosofal (Lapis Philosophurum).


Sem título - by Rosan

                                 
Não há um número exato de operações alquímicas, e muitas imagens se sobrepõem. 
Edinger considera sete dessas operações como os principais componentes da transformação alquímica.
 É importante lembrar que cada operação alquímica exibe tanto um aspecto inferior 
quanto um superior,  bem como um lado positivo e um lado negativo.

São elas:

CALCINATIO: Elemento FOGO

O Fogo - by Rosan

Intenso aquecimento de um sólido, destinado a retirar dele 
a água e todos os demais elementos passíveis de volatilização.

O fogo da calcinatio é um fogo purgador, purificador, embranquecedor. 
O que é “sacrificado” pela combustão torna-se “sagrado”. 
De um modo geral, quando enfrentamos a realidade da vida, 
ela nos propicia um grande número de ocasiões para a calcinatio 
de desejos frustrados.Resta um pó fino e seco. 

A calcinatio atua sobre a matéria negra – O NIGREDO -  tornando-a branca, 
que representa a ALBEDO, ou fase de embranquecimento.


SOLUTIO: Elemento ÁGUA

Sem título - by Rosan


Transforma um sólido num líquido.
 O sólido parece desaparecer no solvente, como se tivesse sido engolido. 
Para o alquimista, a solutio significava com frequência o retorno da matéria diferenciada 
ao seu estado indiferenciado original, isto é a prima matéria.
                             
  Em termos psicológicos, poderia se dizer que o agente da dissolução será um ponto de vista superior, mais abrangente, capaz de atuar como recipiente para a “coisa” inferior. 
Sonhos com inundações podem ser referência à solutio.


COAGULATIO: Elemento TERRA


Terra em camadas - by Rosan


É o processo que transforma as coisas em terra.  “Terra” é, por conseguinte, um dos sinônimos de coagulatio. Pesada e permanente, a terra tem forma e posição fixas.
Não desaparece no ar por meio de volatilização, nem se adapta à forma 
de qualquer recipiente, ao contrário da água.
Assim, para um conteúdo psíquico, tornar-se terra significa concretizar-se 
numa forma localizada particular.

Há três agentes da coagulatio: 

o magnésio (união do espírito transpessoal com a realidade humana corriqueira), 
o chumbo (pesado, sombrio, incomodo; associado ao Planeta Saturno 
que carrega as qualidades da depressão, da melancolia e 
da limitação  mortificante do tempo cronológico, da realidade terrena) 
e o enxofre (associado ao sol, por sua cor amarela e seu caráter inflamável).

Em linguagem psicológica, a força impulsionadora da consciência, o desejo.
 É o desejo que coagula.
O atrativo do desejo é a doçura da realização. O MEL, na qualidade de exemplo supremo da doçura, é portanto um agente de coagulatio.

Nos sonhos, referências a doces, (balas, bolos, biscoitos, etc.) podem tanto indicar
 uma tendência regressiva de busca imatura de prazeres  – “pedindo” mortificatio – 
quanto uma autentica necessidade de coagulatio.

Os conceitos e abstrações NÃO coagulam. Formam ar, e não terra. 
São agentes de sublimatio.

As imagens dos sonhos coagulam; elas vinculam o mundo terreno
 com o mundo psíquico por meio de imagens análogas ou proporcionais 
e por isso coagulam o material que vem da psique.


 SUBLIMATIO: Elemento AR

Lunar Sky - by Rosan


Deve-se esclarecer, desde o início, que a simbologia da sublimatio alquímica 
nada tem a ver com a teoria freudiana da sublimação.

          A sublimatio alquímica é parte da arte regia em que é feito o verdadeiro ouro; 
se trata de uma transformação alquímica que requer o fogo e a prima matéria negra. 
Ela é um grande Mistério.

Em alquimia, a sublimatio transforma o material em ar por meio de 
 sua elevação e volatilização. 
O termo sublimação vem do latim sublimis que significa “elevado”. 
Isso indica que o aspecto essencial da sublimatio é um processo de elevação 
por intermédio do qual uma substância inferior se traduz numa forma superior 
mediante um movimento ascendente.

A terra se transforma em ar; um corpo fixo se volatiliza; aquilo que é inferior, torna-se                               algo superior. (inferus = embaixo; superus = em cima).                                
Nos sonhos, todas as imagens referentes a movimento para cima – escadas, degraus, elevadores, alpinismo, montanhas, voar e assim por diante – podem estar associados à simbologia da sublimatio, bem como a imagem da torre que dá uma visão panorâmica não disponível no solo.
Em termos psicológicos, isso pode apontar para uma forma de lidar com um problema concreto:  ficamos “acima” dele quando o vemos objetivamente. Abstraímos um sentido geral dele e o vemos como um exemplo particular de uma questão mais ampla.                                                                
Quanto mais alto nos elevamos, tanto maior e mais ampla nossa perspectiva; 
PORÉM, ao mesmo tempo, tanto mais distantes ficamos da vida terrena e tanto menor nossa capacidade de agir sobre aquilo que percebemos: tornamo-nos expectadores magníficos, mas impotentes...
A sublimatio pode também ser compreendida como uma destilação, uma purificação. Quando são misturados, num estado de contaminação inconsciente, a matéria e o espírito devem ser “purificados” pela superação.
A capacidade de estar acima das coisas e de ver a si mesmo com objetividade é a habilidade de dissociar. A capacidade “natural” de dissociação da psique pode ser tanto uma fonte de consciência quanto a causa de perturbações psíquicas.
A sublimatio, assim como cada operação alquímica, quando levada ao extremo, tem sua própria sintomatologia “patológica”, podendo tornar-se um processo autônomo de dissociação, onde o indivíduo vê-se tragicamente aprisionado no dinamismo arquetípico – neste caso - da sublimatio, afastando-se mais e mais da realidade terrena e pessoal.
     A sublimatio extrema é compensada pela imagem da coagulatio. 
Falamos aqui da sublimatio inferior: as imagens de subida, altura e de voo quase sempre indicam a necessidade de uma descida  à realidade terrena. Estar preso no céu pode ser desastroso. A subida e a descida são igualmente necessárias.
Como afirma um dito alquímico: “Sublima o corpo e coagula o espírito" (Solve et Coagula). 
O movimento ascendente eterniza; o movimento descendente humaniza, personaliza.
Quando esses movimentos se combinam temos outro processo alquímico, a assim chamada CIRCULATIO...
No plano psicológico, a circulatio é o circuito repetido de todos os aspectos do ser que, aos poucos, gera a consciência de um centro transpessoal que unifica os fatores em conflito. 
Há um transito pelos opostos experimentados alternativamente, repetidas vezes, até verificar-se sua reconciliação...
 Devemos percorrer repetidamente o circuito de nossos próprios complexos no decorrer de sua transformação.
A Opus alquímica começa e termina na terra. Isso sugere a importância primordial conferida à realidade terrena, concreta – no espaço e no tempo.
A realização da limitada condição humana é colocada ACIMA da perfeição ideal.

MORTIFICATIO/PUTREFACTIO:
 Escurecimento ou Nigredo da Prima Materia.

O Mago Negro by P. Klee

Os dois termos são intercambiáveis, referindo-se a diferentes aspectos da mesma operação. 
Putrefactio é “putrefação”, a decomposição que destrói corpos orgânicos mortos. 
Da mesma maneira como a mortificatio, a putrefactio não é algo que ocorra nas operações da química inorgânica com a qual os alquimistas estavam envolvidos. 
Trata-se de metáforas...
A mortificatio é a mais negativa operação da alquimia. Está vinculada ao negrume, à derrota e fracasso, à tortura, à morte e ao apodrecimento. Sua marca é a cor negra.
Em termos psicológicos, o negrume refere-se à sombra e às consequências positivas advindas do fato de se ter consciência da própria sombra. A nível arquetípico, ter consciência do MAL per se;” a negrura é o começo da brancura” 
diz um dito alquímico mas, desnecessário dizer, que raramente alguém opta por ter essa experiência...Ela costuma ser imposta pela vida...
                        Em sonhos, fezes, excrementos, vasos sanitários sujos e maus odores referem-se à putrefactio. Imagens de decapitação, ou separação entre a cabeça e o corpo também pertencem à simbologia da putrefactio, mortificatio.   
                         
  SEPARATIO: 
separação, diferenciação dos elementos da prima matéria

Pote Quebrado - by Rosan
Considerava-se a prima materia um composto, uma confusa mistura de componentes indiferenciados e opostos entre si, composto esse que requeria um processo de separação. Um mistura composta passa por uma discriminação de suas partes componentes.
Produz-se a ordem a partir da confusão, num processo análogo ao do nascimento do cosmos a partir do caos nos mitos de criação.
Um aspecto importante do processo da separatio é a separação entre sujeito e objeto, entre o eu e o não-eu.
Em sonhos, espadas, facas, laminas bem afiadas de todos os tipos e objetos cortantes podem pertencer à simbologia da separatio. Imagens de medição, contagem, o ato de pesar e a consciência quantitativa em geral também pertencem à operação de separatio.
O mesmo pode ocorrer com a aritmética aplicada, imagens geométrica de linhas, planos e sólidos, bem como com os procedimentos do agrimensor e do navegador de fixação de fronteiras, medição de distâncias e estabelecimento de localizações dentro de um sistema de coordenadas. (atualmente, um GPS...).
Assim, o compasso, a régua, o esquadro, as escalas, o sextante, o fio de prumo, bem como relógios e outras forma de cálculo do tempo, fundamento de existência temporal e consciente. A secção áurea também pertence à simbologia da separatio.
Terminada a separatio, os opostos purificados (mundificatio) podem ser reconciliados na coniunctio...
                              
CONIUNCTIO:
 re-unir o que foi separado, diferenciado...

Os Noivos Vão à Cidade - by Rosan
A coniunctio é o ponto culminante da opus. 
Em termos históricos como psicológicos, ela apresenta um aspecto extrovertido e um aspecto introvertido.
O fascínio dos alquimistas com a coniunctio do lado extrovertido promoveu um estudo do milagre da combinação química e levou à química moderna e à física nuclear. Do lado introvertido, esse fascínio gerou o interesse pelo conjunto de imagens e pelos processos inconscientes, levando à psicologia profunda do século XX.
Ao que tudo indica, os alquimistas tiveram a oportunidade de testemunhar em seus laboratórios muitos exemplos de combinação química e física, na qual duas substâncias se unem para criar uma terceira substância com propriedades distintas. Essas experiências forneceram imagens para a fantasia alquímica.
Quando se tenta compreender o rico e complexo simbolismo da coniunctio, é aconselhável distinguir entre duas fases: uma coniunctio inferior e uma superior.
A coniunctio inferior é uma união ou fusão de substâncias que ainda não se encontram completamente separadas ou discriminadas; é sempre seguida pela morte ou mortificatio.
A coniunctio inferior ocorre sempre que o ego se identifica com conteúdos inconscientes. Essas coniuntios contaminadas devem ter como sequência a mortificatio e uma nova separatio.
A coniunctio superior, por outro lado, é o alvo da opus, a suprema realização.
Na realidade concreta, esses dois aspectos se acham frequentemente combinados. A experiência da conunctio é quase sempre uma mistura dos aspectos inferior e superior.
“Algo” é purificado (mundificatio) por meio de separação (separatio), e é dissolvido (solutio) digerido e coagulado (coagulatio), sublimado (sublimatio), incinerado (calcinatio) e fixado pela ação recíproca do Adepto/a como agente e paciente, alternando-se para melhorar...: 
a pessoa é jogada para lá e para cá entre os opostos, de modo praticamente interminável. Mas surge, de maneira gradual, um novo ponto de vista que permite a experiência dos opostos ao mesmo tempo, o um-ao-lado-do-outro.
O termo “Pedra Filosofal” é, por si mesmo, uma união de opostos: a filosofia, o amor da sabedoria, é um empreendimento espiritual, ao passo que uma pedra é realidade material, dura e crua. 
É “a pedra que não é uma pedra...”.

C.G. Jung - Fonte: WEB
    Diz Jung:
“...Aquilo que a natureza inconsciente buscava, em última análise, quando produziu a imagem do lápis (pedra), pode ser visto de maneira bem clara na noção de que esta se originava na matéria do homem... A espiritualidade de Cristo era por demais elevada e a naturalidade do homem por demais inferior. 
Na imagem de ... lápis (pedra), a “carne” glorificou a si mesma à sua própria maneira; 
ela NÃO se transformou em espírito mas, pelo contrário, “fixou” o espírito na pedra...”  
(C.G. Jung – Alchemical Studies – CW 13, par. 127).
A Pedra Filosofal possui qualidades de proiectio e de multiplicatio; essas operações não são realizadas pelo alquimista, mas pela lápis (pedra); 
são qualidades e características da própria Pedra em si...


A ação da Pedra é um ponto final adequado porque nos recorda que dar atenção ao conjunto de imagens da Psique Objetiva (de que a alquimia é um exemplo) gera auspiciosos efeitos recíprocos.
Rosanna Pavesi/Junho 2015

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE ALQUIMIA...


                                                                            Fonte: WEB



ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE ALQUIMIA...


No final de Mysterium Coniunctionis (CW 14 – par. 792) Jung escreve:

“...todo o procedimento alquímico... pode muito bem representar o processo de individuação num indivíduo particular, embora com a diferença não desprovida de importância de que nenhum indivíduo particular abarca a riqueza e o alcance do simbolismo alquímico. 

Este tem a seu favor o fato de ter sido construído ao longo dos séculos...
A alquimia, por conseguinte, realizou para mim o grande e inestimável serviço 
de fornecer o material em que minha experiência pudesse encontrar espaço suficiente, 
o que me possibilitou descrever o processo de individuação ao menos 
em seus aspectos essenciais...”.


OPUS


Fonte: WEB



A imagem central da alquimia é a imagem de opus, a obra...
O alquimista via-se como alguém comprometido com um trabalho sagrado: 
a busca de um  valor supremo e essencial.

Diz um texto: 

“Todos os que buscamos seguir essa Arte não podemos atingir resultados úteis 
senão com uma alma paciente, laboriosa e solícita, 
com uma coragem perseverante e com uma dedicação contínua” 
(Waite, trad. Turba Philosophorum, p.127,dictum 39).


A paciência é fundamental. 
Coragem como disposição para enfrentar a ansiedade. 
Dedicação contínua como disponibilidade para perseverar, 
a despeito de todas as modificações de humor e de estado mental, 
no esforço de pesquisar e compreender aquilo que está ocorrendo.

Uma característica proeminente da Obra é o fato de ser considerada 
um trabalho sagrado que requer uma atitude “religiosa”; 
ou seja, há a necessidade de uma cuidadosa consciência 
do nível transpessoal da psique. 
A orientação é para algo maior, e não para o ego.

Outro aspecto da Obra é o fato dela ser um trabalho amplamente individual 
podendo vir a gerar – pelo menos por algum tempo – 
um inevitável afastamento temporário do mundo.

Também possui um caráter “secreto”.
 Como todos os “Mistérios”, o segredo alquímico tinha sua divulgação vedada 
posto não ser comunicável àqueles que ainda não 
o tenham experimentado por si mesmos. 
Se não forem percebidas como um segredo e como sagrado, 
as energias transpessoais poderão vir a ser canalizadas 
para fins pessoais e apresentarão efeitos destrutivos. 
(inflação, os “eleitos”, entre outros...).

Na linguagem dos alquimistas, a matéria sofre até a nigredo desaparecer, 
quando a aurora será anunciada pela cauda pavonis (cauda do pavão) 
e um “novo dia” nascerá, a leukosis, ou albedo.

Mas nesse estado de “brancura” não se vive, na verdadeira acepção da palavra; 
é uma espécie de estado ideal, abstrato. 
Para insuflar-lhe vida, deve ter “sangue”, deve possuir aquilo que 
os alquimistas denominavam de rubedo, a “vermelhidão” da vida. 
Só a experiência total da vida pode transformar esse estado ideal de albedo 
num modo de existência plenamente humano. 
Só o sangue pode reanimar o glorioso estado de consciência em que 
o derradeiro vestígio de negrume é dissolvido.

Segundo o acima, a opus alquímica tem três estágios: 
nigredo, albedo, rubedo. 
A passagem do nigredo para o albedo é anunciada pela cauda pavonis,
assim como a passagem do albedo para o rubedo é prenunciada 
pelos citrinitas (amarelecimento da obra).


A PRIMA MATERIA


By J. Miró - Fonte: WEB


O termo prima matéria tem uma longa história, 
que remonta aos filósofos pré-socráticos. 
Esses antigos pensadores acreditavam na ideia de um a priori
uma imagem arquetípica de que o mundo é gerado de uma matéria única original,
 a chamada primeira matéria.

Essa ideia de uma substância única original não tem fonte empírica. 
Porém, em termos de “fantasia filosófica”, imaginava-se na época 
que a primeira matéria passara por um processo de diferenciação
 por meio do qual fora decomposta nos 4 elementos: terra, ar, fogo, água.

Psicologicamente falando, poderíamos dizer que a prima matéria corresponde 
a um estado primordial de indiferenciação, 
onde todos os elementos encontram-se misturados,
indiferenciados, um estado pantanoso...

Com frequência, os textos fazem referência a encontrar – e não a produzir –
 a prima matéria:

“Essa Matéria está diante dos olhos de todos... 
Ela é gloriosa e vil, preciosa e insignificante, e é encontrada em toda parte...” 
(Waite, trad. The Hermetic Museum – 1:13).

Apesar de seu grande valor interior, a prima matéria 
tem uma aparência exterior desagradável, razão pela qual é desprezada, 
rejeitada e atirada ao lixo. 
Psicologicamente, isso significa que a prima matéria está na sombra, 
naquela parte da personalidade que em geral procuramos ocultar. 
Os aspectos mais humilhantes e dolorosos de nós mesmos 
                        são os aspectos a serem trazidos à luz e trabalhados.                              

Nos sonhos, pode aparecer como lixo, bosta, fezes, lodo lamacento e fedorento...

No próximo post, faremos algumas considerações sobre 
as principais operações alquímicas.


Rosanna Pavesi/Junho 2015