O Inverno - by Rosan
OPERAÇÕES ALQUÍMICAS
E.F. Edinger em seu
livro Anatomia da Psique – Cultrix, 1995,
organiza e concentra a atenção
naquelas que, de seu ponto de vista,
são as principais operações alquímicas.
Descoberta a prima
matéria, deve-se submetê-la a uma série de procedimentos químicos
a fim de
transformá-la na Pedra Filosofal (Lapis Philosophurum).
Sem título - by Rosan
Não há um número exato
de operações alquímicas, e muitas imagens se sobrepõem.
Edinger considera sete
dessas operações como os principais componentes da transformação alquímica.
É importante lembrar que cada operação alquímica exibe tanto um aspecto
inferior
quanto um superior, bem como um lado positivo e um lado negativo.
São elas:
CALCINATIO: Elemento FOGO
O Fogo - by Rosan
Intenso aquecimento de
um sólido, destinado a retirar dele
a água e todos os demais elementos
passíveis de volatilização.
O fogo da calcinatio é
um fogo purgador, purificador, embranquecedor.
O que é “sacrificado” pela
combustão torna-se “sagrado”.
De um modo geral, quando enfrentamos a realidade
da vida,
ela nos propicia um grande número de ocasiões para a calcinatio
de
desejos frustrados.Resta um pó fino e seco.
A calcinatio atua sobre
a matéria negra – O NIGREDO - tornando-a branca,
que representa a ALBEDO,
ou fase de embranquecimento.
SOLUTIO: Elemento ÁGUA
Sem título - by Rosan
Transforma um sólido num
líquido.
O sólido parece desaparecer no solvente, como se tivesse sido
engolido.
Para o alquimista, a solutio significava com frequência o
retorno da matéria diferenciada
ao seu estado indiferenciado original, isto é a prima matéria.
Em termos psicológicos,
poderia se dizer que o agente da dissolução será um ponto de vista superior,
mais abrangente, capaz de atuar como recipiente para a “coisa” inferior.
Sonhos com inundações
podem ser referência à solutio.
COAGULATIO: Elemento TERRA
Terra em camadas - by Rosan
É o processo que
transforma as coisas em terra. “Terra” é, por conseguinte, um dos sinônimos de coagulatio. Pesada e permanente, a
terra tem forma e posição fixas.
Não desaparece no ar por
meio de volatilização, nem se adapta à forma
de qualquer recipiente, ao
contrário da água.
Assim, para um conteúdo
psíquico, tornar-se terra significa concretizar-se
numa forma localizada
particular.
Há três agentes da coagulatio:
o magnésio (união do espírito transpessoal com a realidade humana
corriqueira),
o chumbo (pesado, sombrio, incomodo; associado ao Planeta
Saturno
que carrega as qualidades da depressão, da melancolia e
da
limitação mortificante do tempo
cronológico, da realidade terrena)
e o enxofre (associado ao sol, por
sua cor amarela e seu caráter inflamável).
Em linguagem
psicológica, a força impulsionadora da consciência, o desejo.
É o desejo que coagula.
O atrativo do desejo é a
doçura da realização. O MEL, na qualidade de exemplo supremo da doçura, é portanto um agente de coagulatio.
Nos sonhos,
referências a doces, (balas, bolos, biscoitos, etc.) podem tanto indicar
uma
tendência regressiva de busca imatura de prazeres – “pedindo” mortificatio –
quanto uma autentica necessidade de coagulatio.
Os conceitos e
abstrações NÃO coagulam. Formam ar, e não terra.
São agentes de sublimatio.
As imagens dos sonhos
coagulam; elas vinculam o mundo terreno
com o mundo psíquico por meio de imagens
análogas ou proporcionais
e por isso coagulam o material que vem da psique.
SUBLIMATIO: Elemento AR
Lunar Sky - by Rosan
Deve-se esclarecer,
desde o início, que a simbologia da sublimatio alquímica
nada tem a ver
com a teoria freudiana da sublimação.
A sublimatio alquímica
é parte da arte regia em que é feito o verdadeiro ouro;
se trata de uma transformação
alquímica que requer o fogo e a prima matéria negra.
Ela é um
grande Mistério.
Em alquimia, a sublimatio
transforma o material em ar por meio de
sua elevação e volatilização.
O termo sublimação
vem do latim sublimis que significa “elevado”.
Isso indica que o
aspecto essencial da sublimatio é um processo de elevação
por intermédio
do qual uma substância inferior se traduz numa forma superior
mediante um movimento ascendente.
A terra se transforma em
ar; um corpo fixo se volatiliza; aquilo que é inferior, torna-se algo superior.
(inferus = embaixo; superus = em cima).
Nos sonhos, todas as imagens
referentes a movimento para cima – escadas, degraus, elevadores, alpinismo,
montanhas, voar e assim por diante – podem estar associados à simbologia da sublimatio,
bem como a imagem da torre que dá uma visão panorâmica não disponível no solo.
Em termos psicológicos,
isso pode apontar para uma forma de lidar com um problema concreto: ficamos
“acima” dele quando o vemos objetivamente. Abstraímos um sentido geral dele e o
vemos como um exemplo particular de uma questão mais ampla.
Quanto mais alto nos
elevamos, tanto maior e mais ampla nossa perspectiva;
PORÉM, ao mesmo tempo,
tanto mais distantes ficamos da vida terrena e tanto menor nossa capacidade de
agir sobre aquilo que percebemos: tornamo-nos expectadores magníficos, mas
impotentes...
A sublimatio pode
também ser compreendida como uma destilação, uma purificação. Quando são
misturados, num estado de contaminação inconsciente, a matéria e o espírito
devem ser “purificados” pela superação.
A capacidade de estar
acima das coisas e de ver a si mesmo com objetividade é a habilidade de dissociar. A capacidade “natural” de dissociação da psique pode ser tanto uma fonte de
consciência quanto a causa de perturbações psíquicas.
A sublimatio, assim
como cada operação alquímica, quando levada ao extremo, tem sua própria
sintomatologia “patológica”, podendo tornar-se um processo autônomo de
dissociação, onde o indivíduo vê-se tragicamente aprisionado no dinamismo
arquetípico – neste caso - da sublimatio, afastando-se mais e mais da
realidade terrena e pessoal.
A sublimatio extrema
é compensada pela imagem da coagulatio.
Falamos aqui da sublimatio
inferior: as imagens de subida, altura e de voo quase sempre indicam a
necessidade de uma descida à
realidade terrena. Estar preso no céu pode ser desastroso. A subida e a descida
são igualmente necessárias.
Como afirma um dito
alquímico: “Sublima o corpo e coagula o espírito" (Solve et Coagula).
O movimento ascendente eterniza; o movimento descendente humaniza, personaliza.
Quando esses movimentos
se combinam temos outro processo alquímico, a assim chamada CIRCULATIO...
No
plano psicológico, a circulatio é o circuito repetido de todos os
aspectos do ser que, aos poucos, gera a consciência de um centro transpessoal
que unifica os fatores em conflito.
Há um transito pelos
opostos experimentados alternativamente, repetidas vezes, até verificar-se sua
reconciliação...
Devemos percorrer repetidamente o circuito de nossos próprios
complexos no decorrer de sua transformação.
A Opus alquímica
começa e termina na terra. Isso sugere a importância primordial conferida à
realidade terrena, concreta – no espaço e no tempo.
A realização da limitada
condição humana é colocada ACIMA da perfeição ideal.
MORTIFICATIO/PUTREFACTIO:
Escurecimento ou Nigredo da Prima Materia.
O Mago Negro by P. Klee
Os dois termos são
intercambiáveis, referindo-se a diferentes aspectos da mesma operação.
Putrefactio é “putrefação”, a decomposição que destrói corpos orgânicos mortos.
Da mesma maneira como a mortificatio, a putrefactio não é algo
que ocorra nas operações da química inorgânica com a qual os alquimistas
estavam envolvidos.
Trata-se de metáforas...
A mortificatio é
a mais negativa operação da alquimia. Está vinculada ao negrume, à derrota e
fracasso, à tortura, à morte e ao apodrecimento. Sua marca é a cor negra.
Em termos psicológicos,
o negrume refere-se à sombra e às consequências positivas advindas do fato de
se ter consciência da própria sombra. A nível arquetípico, ter consciência do
MAL per se;” a negrura é o começo da brancura”
diz um dito alquímico mas,
desnecessário dizer, que raramente alguém opta por ter essa experiência...Ela
costuma ser imposta pela vida...
Em sonhos, fezes, excrementos,
vasos sanitários sujos e maus odores referem-se à putrefactio. Imagens
de decapitação, ou separação entre a cabeça e o corpo também pertencem à
simbologia da putrefactio, mortificatio.
SEPARATIO:
separação,
diferenciação dos elementos da prima matéria
Pote Quebrado - by Rosan
Considerava-se a prima
materia um composto, uma confusa mistura de componentes indiferenciados e
opostos entre si, composto esse que requeria um processo de separação. Um
mistura composta passa por uma discriminação de suas partes componentes.
Produz-se a ordem a
partir da confusão, num processo análogo ao do nascimento do cosmos a partir do
caos nos mitos de criação.
Um aspecto importante do
processo da separatio é a separação entre sujeito e objeto, entre o eu e
o não-eu.
Em sonhos, espadas, facas, laminas
bem afiadas de todos os tipos e objetos cortantes podem pertencer à simbologia
da separatio. Imagens de medição, contagem, o ato de pesar e a
consciência quantitativa em geral também pertencem à operação de separatio.
O mesmo pode ocorrer com
a aritmética aplicada, imagens geométrica de linhas, planos e sólidos, bem como
com os procedimentos do agrimensor e do navegador de fixação de fronteiras, medição
de distâncias e estabelecimento de localizações dentro de um sistema de
coordenadas. (atualmente, um GPS...).
Assim, o compasso, a
régua, o esquadro, as escalas, o sextante, o fio de prumo, bem como relógios e
outras forma de cálculo do tempo, fundamento de existência temporal e
consciente. A secção áurea também pertence à simbologia da separatio.
Terminada a separatio,
os opostos purificados (mundificatio) podem ser reconciliados na coniunctio...
CONIUNCTIO:
re-unir o
que foi separado, diferenciado...
Os Noivos Vão à Cidade - by Rosan
A coniunctio é o
ponto culminante da opus.
Em termos históricos como psicológicos, ela
apresenta um aspecto extrovertido e um aspecto introvertido.
O fascínio dos
alquimistas com a coniunctio do lado extrovertido promoveu um estudo do
milagre da combinação química e levou à química moderna e à física nuclear. Do
lado introvertido, esse fascínio gerou o interesse pelo conjunto de imagens e
pelos processos inconscientes, levando à psicologia profunda do século XX.
Ao que tudo indica, os
alquimistas tiveram a oportunidade de testemunhar em seus laboratórios muitos
exemplos de combinação química e física, na qual duas substâncias se unem para
criar uma terceira substância com propriedades distintas. Essas experiências
forneceram imagens para a fantasia alquímica.
Quando se tenta
compreender o rico e complexo simbolismo da coniunctio, é aconselhável
distinguir entre duas fases: uma coniunctio inferior e uma superior.
A coniunctio inferior
é uma união ou fusão de substâncias que ainda não se encontram
completamente separadas ou discriminadas; é sempre seguida pela morte ou mortificatio.
A coniunctio inferior
ocorre sempre que o ego se identifica com conteúdos inconscientes. Essas
coniuntios contaminadas devem ter como sequência a mortificatio e
uma nova separatio.
A coniunctio superior,
por outro lado, é o alvo da opus, a suprema realização.
Na realidade concreta,
esses dois aspectos se acham frequentemente combinados. A experiência da conunctio
é quase sempre uma mistura dos aspectos inferior e superior.
“Algo” é purificado (mundificatio)
por meio de separação (separatio), e é dissolvido (solutio)
digerido e coagulado (coagulatio), sublimado (sublimatio), incinerado
(calcinatio) e fixado pela ação recíproca do Adepto/a como agente e
paciente, alternando-se para melhorar...:
a pessoa é jogada para lá e
para cá entre os opostos, de modo praticamente interminável. Mas surge, de
maneira gradual, um novo ponto de vista que permite a experiência dos
opostos ao mesmo tempo, o um-ao-lado-do-outro.
O termo “Pedra
Filosofal” é, por si mesmo, uma união de opostos: a filosofia, o amor da
sabedoria, é um empreendimento espiritual, ao passo que uma pedra é realidade
material, dura e crua.
É “a pedra que não é uma pedra...”.
C.G. Jung - Fonte: WEB
Diz Jung:
“...Aquilo que a
natureza inconsciente buscava, em última análise, quando produziu a imagem do
lápis (pedra), pode ser visto de maneira bem clara na noção de que esta se
originava na matéria do homem... A espiritualidade de Cristo era por demais
elevada e a naturalidade do homem por demais inferior.
Na imagem de ... lápis
(pedra), a “carne” glorificou a si mesma à sua própria maneira;
ela NÃO se
transformou em espírito mas, pelo contrário, “fixou” o espírito na pedra...”
(C.G. Jung – Alchemical Studies – CW
13, par. 127).
A Pedra Filosofal possui
qualidades de proiectio e de multiplicatio; essas operações não
são realizadas pelo alquimista, mas pela lápis (pedra);
são qualidades e
características da própria Pedra em si...
A ação da Pedra é um
ponto final adequado porque nos recorda que dar atenção ao conjunto de imagens
da Psique Objetiva (de que a alquimia é um exemplo) gera auspiciosos efeitos
recíprocos.
Rosanna Pavesi/Junho 2015