domingo, 30 de setembro de 2012

INDIVIDUAÇÃO E INDIVIDUALISMO: CAMINHOS DIFERENTES...



Envolvente (Rosan)


INDIVIDUAÇÃO E INDIVIDUALISMO:

CAMINHOS DIFERENTES...


Conversando com as pessoas de modo geral, inclusive com meus clientes no consultório, tenho observado que é muito frequente confundir individuação com individualismo...

Assim, como psicoterapeuta de abordagem junguiana, me sinto "convocada" a esclarecer que
 individuação e individualismo são caminhos diferentes...

SOBRE INDIVIDUAÇÃO

É um processo de diferenciação psicológica que tem como finalidade o desenvolvimento da personalidade individual.
De modo geral, é o processo pelo qual os seres individuais se formam e se diferenciam; em particular, é o desenvolvimento de um indivíduo psicológico, como um ser distinto da psicologia geral e coletiva.

A meta não é sobrepujar a própria psicologia pessoal, tornar-se perfeito, mas sim familiarizar-se com ela.
Assim, a individuação envolve uma consciência crescente de nossa realidade psicológica única, incluindo as forças e as limitações pessoais e, ao mesmo tempo,
uma apreciação mais ampla da humanidade em geral.

"Como o indivíduo não é apenas um ser à parte, separado, mas pressupõe, pela sua própria existência, uma relação coletiva, segue-se que o processo de individuação deve conduzir a relações coletivas mais amplas, e não ao isolamento" 
(C.G. Jung, "Definitions", CW6, par.758)

A individuação não exclui a pessoa do mundo, muito pelo contrário, aproxima o mundo dela...
Contudo, a  individuação e a vida vivida exclusivamente segundo os padrões coletivos
são  dois destinos divergentes...

A INDIVIDUAÇÃO DIFERE DO INDIVIDUAISMO, NA MEDIDA EM QUE A PRIMEIRA DESVIA-SE DAS NORMAS COLETIVAS MAS CONSERVA O RESPEITO POR ELAS,
ENQUANTO O INDIVIDUALISMO AS RECHAÇA POR COMPLETO...


SOBRE INDIVIDUALISMO

Crença na supremacia dos interesses individuais sobre os da coletividade;
não deve ser confundido com individualidade e/ou individuação.


CAMINHOS DIFERENTES:

Individualismo significa dar, deliberadamente, expressão e proeminência a algumas supostas peculiaridades pessoais, mais do que a considerações e obrigações coletivas.

Individuação, pelo contrário, significa - precisamente - um melhor e mais completo cumprimento das qualidades coletivas do ser humano, uma vez que a adequada consideração da peculiaridade do indivíduo tem maior probabilidade de levar a um desempenho social melhor do que quando a peculiaridade é negligenciada ou suprimida.

"...Uma vez que os fatores universais sempre aparecem  apenas sob forma individual, uma atenta consideração deles produzirá também um efeito individual, efeito este que não pode ser  superado pelo que quer que seja, sobretudo pelo individualismo"
(C.G. Jung, "The Function of the Unconsciuous", CW 7, pars. 267s)

Tornar-se aquilo que se é - meta do processo de individuação - não é fácil, pois somos chamados a aceitar nosso ser como um todo, incluindo nossos defeitos, limites, vulnerabilidades, carências, medos, enfim nossos aspectos mais sombrios e limitantes, para além de nossas qualidades, habilidades e aspectos positivos.

Trata-se de alcançar, na medida do possível, a plenitude e não a perfeição...
E toda plenitude precisa de sombra, de contraste, para ganhar profundidade.
É a somba que dá profundidade à luz...
O proesso implica em aceitar também o "losco-fosco", tudo aquilo que, frequentemente, tentamos desesperadamente manter oculto tanto de nos mesmos quanto dos outros...

É um processo, não uma meta, e se processa no dia-a-dia, dia após dia, ao longo da vida toda...
Pelo menos, é assim que eu o compreendo...


Rosanna Pavesi/setembro 2012

(Notas: Daryl Sharp em  "Léxico Junguiano", Cultrix, 1993)


PS: Há uma diferença conceitual também entre o termo "Indivíduo" e "Individualidade", mas isto fica para o próximo post...
 

sábado, 15 de setembro de 2012

SOBRE SOLIDÃO...

by Gustav Klimt

SOLIDÃO...

Assim como a árvore de G. Klimt, a solidão também pode ser rica, frutífera...
Talvez uma "solitude", carregada de flores, de frutos, altiva, digna e magnífica em sua solidão...

"Solidão infinita, na ausência de espaço...
Solidão eterna, na ausência de tempo...

Solidão de energia
de gestação criadora
feita de silêncio
suspensa no tempo e no espaço...

Gestação de vida...

Solidão de paz, de saudades
de falta , de aconchego
de águas calmas, acolchoada...

Silêncio cheio de sons
vazio cheio de sentir
contentamento de estar consigo.

Solidão do início de tudo
do sem fim
da longa caminhada da alma
da busca, da dúvida, do questionamento
da certeza sentida, nem sempre explicável...

Ar, sol, terra, céu, água, flor:
elementos visíveis e invisíveis...

Solidão alimento

Solidão procurada, nem sempre encontrada
solidão de crescimento, não de esquecimento...

Solidão eterna, na ausência de tempo...
Solidão infinita, na ausência de espaço...

Companheira da alma
Alimento da Vida..."

(Coletânea "Veu de Noiva" by Rosan)


Rosanna Pavesi/setembro 2012

domingo, 9 de setembro de 2012

SABADO ECLÉCTICO...


(by A. Tapies)


Um sábado espremido entre o feriado de 7 de Setembro e o domingo...

Precisava comprar roupa, fui ao shopping...Encontrei o que queria... Me dei por satisfeita...

Na saída, em plena tarde, parei na calçada para fumar um cigarro...
Ali estava eu, bem longe, saboreando meu cigarro, e um senhor se aproximou...
Um tanto sujo, mal vestido...
Pensei comigo: ou vai me pedir dinheiro, ou vai me pedir um cigarro...
Mas não me afastei, fiquei alí parada, na calçada pública...
Ele olhou para mim, eu olhei de volta para ele...

Com um ar de interrogação nos olhos, e após certa hesitação, ele me dirigiu a palávra e  disse:
"Senhora, posso falar uma coisa?"
"Sim, claro" eu respondi...
Ele: "Sou morador de rua, como a senhora bem  pode ver, mas estou com dinheiro no bolso e fui até essa lanchonete aí (apontando), pedi um misto quente e pus a mão no bolso para pegar o dinheiro e pagar, mas aí a moçinha atrás do balcão olhou para mim e disse:
"Aqui não vendemos nem vinho, nem cachaça..."
Ele: "Mas eu só pedi um misto quente...Me virei e, envergonhado, sai da lanchonete..."

 Olhou para mim,como que para ver minha reação...
Eu fiquei quieta, só olhando para ele,  sem muito saber o que dizer...

Ele me perguntou: "O que a senhora acha disso?"
Eu, calmamente, olhando bem nos olhos dele, respondi:
"Para mim isto é discriminação..."

Talvez surpreso com minha resposta, talvez surpreso por alguém não ter tido medo de falar com ele, talvez surpreso por alguém se dispor ao ouví-lo, olhou de volta nos meus olhos e,
com ar e voz triste, disse:
"Eh, é isso aí... Desculpe senhora, e obrigado por me ouvir..."

E continuou o seu caminho...
Era um morador de rua...

Este homem não estava bebado, falava coisa com coisa, foi educado, mas estava sujo e mal-vestido...
Talvez quisesse comprovar, apesar das aparências, se ainda lhe restava alguma dignididade, se ainda alguém conseguiria vê-lo simplesmente como um ser humano, sozinho, com uma dúvida atroz na cabeça:

"Será que ainda sou gente?"...

Me  lembrou de alguns clientes que, às vezes, antes mesmo de falar seu nome, se qualificam pelo diagnóstico que receberam (sou PMD, tenho Toc, sou Borderline...) ou até mesmo pelo momento de vida que estão atavessando (estou desempregado, estou me divorciando, estou deprimido...),
 algo vergonhoso... 

Sujeitos sem nome, sem identidade, que se identificam ou com uma hipotética etiqueta que lhe foi colada ou com uma situação socialmente intolerável, que os tranforma em "indesejados e indesejáveis"...
Falharam, fracassaram, de alguma forma não são "normais""...

Fiquei triste, dolorosamente triste...


Rosanna Pavesi/setembro 2012