Nyx/A Noite - Rosan "Uma Vida Não Basta Ser Vivida. Ela Precisa Ser Sonhada" (Mario Quintana) |
A Oficina de Sonhos surgiu de nosso anseio de oferecer um espaço íntimo, protegido, nutridor, de acolhimento e compartilhamento para os sonhos e as imagens de fantasia que nos visitam e de resgatar a tradição oral de contar e ouvir histórias, como se estivéssemos - metaforicamente falando - dando hospitalidade aos sonhos e às imagens de fantasia para sentar-se conosco ao redor de uma fogueira. Um espaço, um lar metafórico protegido, para sonhar e psiquear...
O que o sonho e as imagens de fantasia contam?
Somos nos que sonhamos ou é o sonho que nos sonha?
Quem conta, o que conta? como conta?
E quem ouve, o que ouve, como ouve?
Talvez os sonhos e as imagens de fantasia possam ser imaginados como contos, ficções, histórias, um discurso amoroso da psique conosco... Se assim for, o que essas "visitações" propõem?
O que estas imagens têm a nos dizer? Como construir uma ponte, estabelecer o diálogo entre o mundo da psique (da realidade psiquíca, imaginação, fantasia e da linguagem mitopoética da mente), o mundo dos sonhos e o nosso cotidiano? Se os mitos podem ser lidos como "sonhos coletivos", poderíamos ler os sonhos como "mitos pessoais"? Como resgatar nossa vida na psique, posto que - como diz Jung - a psique cria realidade todos os dias através da fantasia, atividade que lhe é inerente?
Assim, é a psique que gostariamos de convidar para sentar conosco... é ela o interlocutor silencioso a quem gostaríamos de nos dirigir e oferecer hospitalidade...
Ao falar em "hospitalidade", outra figura imaginal surge e se faz presença: Héstia...
O Fogo (detalhe) - Rosan |
No mundo romano, seu nome era Vesta. Segundo Ovidio "Vesta é o mesmo que a terra... sob ambas acha-se o fogo perpétuo...".
Héstia é ao mesmo tempo a mais velha e a mais nova da prole de Cronos e Reia, uma vez que foi a primeira a ser engolida por Cronos e a última a sair de seu estomago. Ela é assim a primogenita e a última, uma espécie de figura alfa-ômega da psique.
Desse modo ela é a primeira do Olimpo, mas paradoxalmente a mais obscura. Quase não há histórias sobre ela, que não aparece como deusa pessoal. Não havia imagens dela em seu templo e a falta de personificação mantem-se constante ao longo da história. Héstia se quer mais é um " locus", uma imagem arquitetônica...
Havia apenas o fogo sagrado sobre a terra. O lugar torna-se o seu corpo, sendo que a lareira ou a terra bastam para assegurar uma experiência da psique...
Qual a qualidade e quais as possibilidades resultantes disso para a psique?
A importância de Héstia na vida psicológica advém de sua habilidade em mediar a psique, dando-lhe um lugar onde se congregar, um ponto de junção. O imaginal não equivale a um espaço interior literal; e o mundo, em especial os espaços habitáveis, nos refletem de volta uma indicação da condição de nossa alma.
As moradias do mundo cotidiano falam de lugares da nossa psique: revelam um lado íntimo de nossa psique. Héstia é assim uma revisão da psique em termos de metáforas espaciais. Quando perdida, a psique não tem ligação psiquíca com essa deusa e sua centralidade. Sem Héstia não pode haver a concentração na imagem e não há limites que distinguam a intimidade da moradia interior e o mundo externo, pois não há uma casa psiquíca que ofereça paredes protetoras.
Em sua posição primitiva, Héstia é capaz de guardar imagens, Héstia ilumina e sua iluminação oferece proteção e nutrição da imagem. Ela é a protetora do império da vida psiquíca, isto é, a sede da atividade imaginal. A iluminação de Héstia, a qualidade de sua iluminação é a luz vinda da Terra e do seu fogo, é telúrica.
As imagens têm um foco, um lugar onde elas se manifestam para arder e iluminar, onde elas estão protegidas e ativas. A imagem não se move... são mais as lentes que se movem: o ajuste é nosso. É a imagem que está em "foco", tendo claridade a partir de dentro.
Focalizar está em oposição a interpretar a imagem. A imagem conserva o seu espaço, sendo o processo de focalizar que leva a pessoa a uma relação definida com a imagem, a partir da qual esta ganha iluminação e clareza. Retornar à imagem reiteradamente, a partir de várias direções é uma tentativa de encontrar o foco, o fogo da imagem... Isto é uma configuração ao modo de Héstia.
A focalização transcende a distância conceitual entre percepção e imaginação; é uma qualificação de ambas.
Outra conexão com Héstia vem através da hospitalidade , dando às imagens um lugar de união, proporcionando-lhes mais hospitalidade do que hospitalização...As imagens agrupam-se à volta de sua lareira como hóspedes.
Hóspede é uma pessoa ou coisa personificada que chega e é acolhida. A personificação possibilita que as imagens se tornem hóspedes em foco. Personificar é um modo de conhecer e este modo de conhecer é hospitaleiro para as imagens, conhecendo-as como hóspedes quando vêm de visita,convidando-as para o calor do fogo.
A imagem como espírito (Ghost) transforma-se num hóspede (Guest), possibilitando-lhe ingressar na área da lareira (Hearth). Como acontece essa transformação de espírito (ghost) em hóspede (guest)?
Precisamos nos mover para o relacionamento com a imagem, a fim de "ajustar-lhe o foco", de tal modo que a imagem assuma a importância central. Este ajuste de foco é um movimento da alma...
Ajuste não é apenas uma feia palavra burguesa, com a conotação de estagnação e de compromisso. Ajuste faz parte da atividade psicológica de focalizar. Ajustar-se é aquilo em que estamos envolvidos quando precisamos encontrar um "locus" que sirva como lugar de iluminação e de energia.
A focalização é a experiência e a conexão com Héstia, construtora da "casa", de maneira que a alma possa sonhar em paz...
Citando Jung , quando diz que "invocados ou não, os deuses estão sempre presentes..", invocamos Héstia para fazer de nosso espaço um lugar hospitaleiro para a psique, os sonhos, as imagens de fantasia e o psiquear...
Rosanna Pavesi
PS:Há um belo artigo, que me serviu como "fio de Ariadne" sobre Héstia: Barbara Kirksey, - VI Hestia : Um Fundamento de Enfoque Psicológico - , em James Hillman, Encarando os Deuses, pp. 119/133, (São Paulo; Cultrix-Pensamento - 1997)
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