segunda-feira, 17 de outubro de 2016

O ÓCIO CRIATIVO...

                                                                                        By Paul Klee



O ÓCIO CRIATIVO...

 O livro de Domenico De Masi, O Ócio Criativo, foi publicado em 2000 (Sextante).

Nele, o autor tenta fazer uma "operação de futurologia", imaginando o mundo futuro
no qual viveriam as crianças e os jovens do ano 2000, 
Situa este "mundo futuro"em 2015...

Extrai alguns pontos que, vistos retrospectivamente hoje - em 2016 - 
ainda são um convite a uma reflexão...

by Dirce Schueler


"Sobre criatividade"

"Será sempre e cada vez mais útil. 
E como as empresas, à medida que crescem, tendem a se burocratizar,
a luta entre criativos e burocráticos se tornará mais acirrada.
O mesmo acontecerá no plano psicológico
entre a parte criativa e a parte burocrática
que existem dentro de nós".


Fonte: WEB



"Tempo Livre"

Os jovens que terão entre 20 e 40 anos em 2015 disporão de aproximadamente
300 mil horas de tempo livre.
Terão o problema de como gastá-lo,
exatamente como os nobres cavalheiros do século XIX...
Mas a questão é:
serão cavalheiros à la Tocqueville, à la Oscar Wilde,
à la Drácula, à la Gattopardo ou de que outro tipo?

O tédio os levará a refugiar-se nas drogas 
ou a se realizarem através da violência?
Ou serão movidos pela liberdade e inventarão novos mundos vitais?

O ócio será o pai de todos os vícios ou de uma virtude?
Serão capazes de transformá-lo em ócio criativo?

Matarão o tempo ou o valorizarão?


Fonte: A Way to Blue-WEB


"Estética"

Esta talvez será a palavra-chave por excelência.
Todas as tecnologias estão se tornando mais potentes, mais rápidas
e mais precisas do que é necessário para o usuário médio.

Portanto, os objetos - tecnologicamente impecáveis - 
serão cobiçados não mais com base na sua perfeição técnica,
mas sim no nível da beleza estética,
assim como os serviços serão escolhidos de acordo 
com o refinamento e a cortesia que oferecem.


Fonte: WEB



"Ética"

Numa sociedade de serviços, a ética tem cada vez mais
um fundamento prático.
Uma sociedade baseada nos serviços precisa
de mais garantia e confiabilidade do que uma sociedade
baseada em produtos materiais.
Os jovens que no ano 2015 estarão em busca de sucesso
e prestigio social, NÃO poderão se dar ao luxo
de ser desonestos.



Fonte: WEB



"Pedagogia pós-industrial"

É preciso educar para a complexidade e para a descontinuidade,
duas categorias que não devem nos meter medo, 
porque estão em plena consonância com a nossa natureza humana.
Quanto mais e melhor uma pessoa é capaz de administrar
a complexidade e a descontinuidade,
mais madura ela é.
O temor de muitas pessoas, digamos quase "apocalíptico" em
relação ao futuro nasce aqui, desta incapacidade de
aceitar a descontinuidade.


Fonte: WEB



"O que mais ensinar?"

Não tanto as novidades já existentes, que logo se tornarão obsoletas,
mas sobretudo os métodos para aprender
a infinidade de coisas novas que estão por vir.
De modo que, qualquer que seja a novidade que surja,
os jovens estarão em condições de assimilá-las com segurança.

Além de ensinar como se usa o último modelo de computador,
é preciso desenvolver a atitude mental que serve para entender
a lógica do computador.
Só assim o computador que aprendo a usar hoje NÃO será
um obstáculo quando for aprender a usar os computadores de amanhã.

Outro princípio pedagógico importante consiste 
em assumir como objeto de reflexão e de planejamento
não só o tempo dedicado ao trabalho, mas também ao tempo livre.



Fonte: WEB


Boa reflexão...

Rosanna Pavesi/Outubro 2016

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

"SE EU FOSSE EU"...




Sem título - WEB



SE EU FOSSE EU...

"(...) Sua dificuldade era ser o que ela era, 
o que de repente se transformava numa dificuldade intransponível.

Eu existo, estou vendo, mas quem sou eu?
E ela teve medo.
Parecia-lhe que sentindo menos dor, 
perdera a vantagem da dor como 
aviso e sintoma.

Estivera incomparavelmente mais serena,
porém em grande perigo de vida:
podia estar a um passo da morte da alma,
a um passo deste já ter morrido,
e sem o benefício do seu próprio aviso prévio.




Sem título - WEB


(...) "Se eu fosse eu" parecia representar o maior perigo de viver,
parecia a entrada nova do desconhecido.
Ser-se o que se é, era grande demais e incontrolável.

Ela sempre se retinha um pouco, se guardava
Por que e para quê?
Para o que estava ela se poupando?

Era um certo medo de sua capacidade, pequena ou grande.
Talvez se contivesse por medo de não saber 
os limites de sua pessoa.

Seu desespero vinha de que não sabia sequer 
por onde e pelo que começar.
Só sabia que já começara uma coisa nova
e nunca mais poderia voltar à sua dimensão antiga.



Sem título - WEB



E sabia também que devia começar modestamente,
para não se desencorajar.

E sabia que devia abandonar para sempre a estrada principal.
E entrar pelo seu verdadeiro caminho
que eram os atalhos estreitos...

(C. Lispector - "Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres")



Sem título - WEB


A vantagem da dor como aviso e sintoma....

Resistir à tentação de "anestesiar-se" , de "morrer em vida" 
para não sentir dor, para calar a pergunta que persiste:

"Mas, e se eu fosse eu, como seria?" ...

E, pelos caminhos e atalhos estreitos da vida
ter a coragem de descobrir...



Rosanna Pavesi/Setembro 2016

domingo, 31 de julho de 2016

A NOITE DE BERNA...

 Prenúncios - by Rosan


A NOITE DE BERNA...

"(...) É tão vasta a noite na montanha. Tão despovoada. 
A noite espanhola tem o perfume e o eco duro do sapateado da dança,
a italiana tem o mar cálido mesmo se ausente. 
Mas a noite de Berna tem o silêncio.

Tenta-se em vão ler para não ouvi-lo, pensar depressa para disfarçá-lo,
inventar um programa, frágil ponte que mal nos liga ao subitamente
improvável dia de amanhã.
Como ultrapassar essa paz que nos espreita.
Montanhas tão altas que o desespero tem pudor,
Os ouvidos se afiam, a cabeça se inclina, o corpo todo escuta:
Nenhum rumor.  Nenhum galo possível.

Como estar ao alcance desta profunda meditação do silêncio?
Desse silêncio sem lembrança de palavras.
Se és morte, como te abençoar?


Sem título - by Rosan


É um silêncio que não dorme, é insone:
imóvel mas insone e sem fantasmas. É terrível - sem nenhum fantasma.
Inútil querer povoá-lo com a possibilidade de uma porta que se abra rangendo,
de uma cortina que se abra e 'diga' alguma coisa.
Ele é vazio e sem promessas. Como eu?


Noites Antigas - by Rosan

Se ao menos houvesse o vento. 
Vento é ira, ira é a vida. 
Mas nas noites que passei em Berna não havia vento  cada folha 
estava incrustada no galho das árvores imóveis.


O Inverno - by Rosan


Ou se fosse época  de cair neve. Que é muda mas deixa rastro -
tudo embranquece, as crianças riem brincando com os flocos,
os passos rangem e  marcam.
Isto durante o dia é tão intenso  que a noite ainda é povoada.
Há uma continuidade que é a vida. Mas este silêncio não deixa provas.
Não se pode falar do silêncio como se fala da neve. 


Sem título - by Rosan


O silêncio é a profunda noite secreta do mundo.
E não se pode falar do silêncio como se fala da neve:
sentiu o silêncio dessas noites?
Quem ouviu não diz.
Há uma maçonaria do silêncio que consiste em não falar dele
e de adorá-lo sem palavras..."

(Clarice Lispector em Uma Aprendizagem ou O Livro dos Ptazeres).


Não há comentários possivéis...

Somente o silêncio...


Rosanna Pavesi/Julho 2016

domingo, 10 de julho de 2016

EXISTE UM SER...

                                                             
Sem titulo - by Rosan




"(...) Só que ela não queria ir de mão vazias.
E assim, como se lhe levasse uma flor,
ela escreveu num papel algumas palavras que lhe dessem prazer..."


EXISTE UM SER...


La Luna - by Rosan


"Existe um ser que mora dentro de mim como se fosse casa dele,
e é.

Trata-se de um cavalo preto e lustroso que apesar de inteiramente selvagem
- pois nunca morou antes em ninguém
nem jamais lhe puseram rédeas nem sela - 
apesar de inteiramente selvagem
tem por isso mesmo uma doçura primeira 
de quem não tem medo: come às vezes na minha mão.


Lua Crescente - by Rosan


Seu focinho é úmido e fresco.
Eu beijo o seu focinho.

Quando eu morrer,
o cavalo preto ficará sem casa
e vai sofrer muito.
A menos que ele escolha outra casa
e que esta outra casa não tenha medo 
daquilo que é ao mesmo tempo selvagem e suave.


Lua Cheia - by Rosan


Aviso que ele não tem nome:
basta chamá-lo e se acerta com seu nome.

Ou não se acerta, mas,
uma vez chamado com doçura e autoridade, ele vai.


Lua Minguante - by Rosan


Se ele fareja e sente que um corpo-casa é livre,
ele trota sem ruídos e vai.

Aviso também que não se deve temer o seu relinchar:
a gente se engana e pensa que é a gente mesma
que está relinchando de prazer ou  de cólera,
a gente se assusta 
com o excesso de doçura do que é isto pela primeira vez..."



Lua Nova - by Rosan


"Ela sorriu. 
Ulisses ia gostar,
ia pensar que o cavalo era ela própria.
Era?"

(Clarice Lispector - Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres)



O livro, publicado em 1969, é uma história de amor sem histórias...
Não há enredo, tramas...

Uma mulher que tenta superar o desconhecimento de si mesma
e aprender a viver sem dor...


Rosanna Pavesi/julho 2016




domingo, 29 de maio de 2016

LUIGI ZOJA: A HISTÓRIA DA ARROGÂNCIA...

                                                                   Sem título - by Rosan 



HISTÓRIA DA ARROGÂNCIA...


"(...) Após completar um longo périplo para analisar e compreender 
as consequências desencadeadas pela perda do limite,
Zoja salta para o presente e focaliza o modo pelo qual um dos mais respeitados ícones 
da cultura científico-tecnológica - o M.I.T.  - (Massachusetts  Institute of Technology), 
estuda o problema da crise global 
sem levar em conta  a dimensão psicológica, como tampouco a mítica.

Portanto, os relatórios mais competentes sobre a situação mundial
(esgotamento dos recursos naturais, pauperização crescente, aumento da violência,
crise econômica, entre outros), 
deixam de captar a presença de uma emoção que atravessa as almas,
gerando nos seres humanos de todos os quadrantes
uma culpa anônima por pertencerem a uma civilização embriagada
pela mesma velha hybris de outrora.


O Fogo - by Rosan


O novo conhecimento perdeu portanto o aglutinante psicológico;
a simples exposição de fatos terríveis e alarmantes
NÃO encontra ressonância em nós e não orienta um sentimento ancorado no inconsciente.
Nossa ciência não produz sabedoria, mas informações...

(...) Na psicologia dos males modernos,
as entidades míticas não descem dos céus, 
mas sobem dos infernos, onde habita o reprimido...

(...) Hoje paira sobre a sociedade humana uma densa sombra,
também presente em cada um de nós.
A política não consegue apreendê-la, e persiste no velho mecanismo
de projetá-la sobre outrem.


Dark Night - by Rosan


A grande tarefa da reflexão contemporânea consiste em conseguir,
nas palavras de Zoja,
"ver o próprio homem como máquina cultural enlouquecida 
que está promovendo a metástase de uma cultura que há tempos 
perdeu todo equilíbrio".

Já é tempo de se reconhecer que os problemas externos 
se traduzem num plano psicológico e interior.
À separação entre psicologia e política, deve-se responder
com uma psicologia política: 
o refreamento do perigoso crescimento global cria desânimo e depressão -
sinais de confronto com a culpa -
mas só essa introversão pode transformar o obstáculo externo
em recurso psicológico,
fornecendo formas de renúncia espontânea  à expansão e crescimento
a qualquer custo.

Só então estaremos diante de interrogações verdadeiramente psicológicas -
o que nos traz de volta aos gregos...


sem título - by Rosan


À beira da vertigem, como ele mesmo confessa, 
Zoja encerra seu discurso.
Mas ainda lhe resta fôlego para lembrar que o homem moderno 
encontra-se diante do mesmo terror do homem antigo diante dos deuses implacáveis:
um homem sem metafísica diante do terror metafísico...

Buscando uma felicidade impossível, só encontra desalento e vazio
tanto no ambiente exterior como em sua própria alma.

E essa angustia de existir,
nossa gloriosa racionalidade não é capaz de resolver..."

(Roberto Gambini  - PREFÁCIO - em  A História  da Arrogância  -  Psicologia e Limites do Desenvolvimento Humano - Luigi Zoja - Axis Mundi - 2000)




Planeta Terra - WEB


Escrito em 1993, publicado no Brasil em 2000,...
Traz em sua capa o grifo de Nêmesis, com a roda do destino, 
pairando sobre megalópolis moderna...

O triunfo das coisas sobre o homem?
Misoneísmo, ou seja a rejeição do novo?
Qual o paradigma do desenvolvimento humano no século XXI?

A exploração do nosso planeta provoca debates cada vez mais frequentes
sobre os limites do desenvolvimento humano.

Devemos enfrentar os excessos de nossa civilização
sem levar em conta seu aspecto psicológico?

Para que queremos um crescimento infinito?
Os antigos gregos, que moldaram a base da mentalidade ocidental,
viviam aterrorizados pela fome de infinito que se ocultava dentro do ser humano.

A essa fome davam o nome de HYBRIS (arrogância), o único verdadeiro pecado 
no seu código moral: 
os deuses eram invejosos e puniam com NÉMESIS (justiça) 
TODO AQUELE QUE DESEJAVA DEMAIS...

Hoje, em 2016, conceitos como
  simplicidade voluntária, sustentabilidade, reciclagem - entre outros - 
são nossos conhecidos...
MAS, até que ponto temos de fato evoluído em termos de ecologia profunda,
não mais antropocêntrica?


Rosanna Pavesi/Maio 2016





domingo, 15 de maio de 2016

O RAPTO DE PERSÉFONE POR PLUTÃO : UM RAPTO PSÍQUICO...

                                                            O Mago Negro by P. Klee




O RAPTO DE PERSÉFONE POR PLUTÃO...

UM RAPTO PSÍQUICO...


"(...) Na longa lista de raptos do legado grego, o rapto de Perséfone por Plutão é um rapto específico, já que é a própria morte imaginada...
É Plutão, personificação da morte, quem rapta Perséfone.

Agora, o que chamamos de rapto psíquico 
é um acontecimento de profunda importância na natureza psíquica, 
que ocorre quando o mito do rapto, neste caso o rapto de Perséfone por  Plutão, 
acontece na psique.

E isso é algo que por sua natureza específica não é possível fomentar 
ou induzir e, muito menos, mimetizar.

É um acontecimento na natureza psíquica onde a psicoterapia só pode 
chegar a propiciar a incubação  que o precede e a reflexão do seu suceder.

...O rapto seria o impacto psíquico
que deflora a alma 
e com isso abre as portas da emoção madura,
da emoção que conecta o psíquico à corporalidade
na qual vive o sentimento...

O rapto psíquico seria o que altera o estado de uma vida bidimensional,
em que a dominante é a repetição infernal .

O mito de sufocação da filha pela mãe, Deméter sufocando a sua filha Perséfone,
e Perséfone logo raptada por Plutão,
são episódios de iniciações misteriosas que formam parte dos
mistérios eleusianos.

São vivências que a partir do rapto transformam
e  provacam movimentos psíquicos."

(Rafael López-Pedraza em Ansiedade Cultural  - Paulus,, 1997) 




Spring  by Rosan


Tudo que volta do inconsciente, volta "jovem", 
renovado...
como já disse Jung...




Sem título - by Rosan


Perséfone, a que brilha no escuro...

Perséfone que não se recusa a olhar no escuro,
 a que vê no escuro...

Para a mulher, trata-se uma uma
segunda "defloração"...
Uma "defloração" psicológica...

Passamos de uma psicologia de "filha" 
para uma psicologia de "mulher adulta", autônoma  
e que assume o peso, a responsabilidade e as consequências
de suas escolhas e decisões.. 

Uma consciência "deflorada" ...
Uma consciência que passa de consciência ingenua
a consciência crítica..,

Rosanna Pavesi/Maio 2016

segunda-feira, 18 de abril de 2016

NOTAS SOBRE A CONSCIÊNCIA DE FRACASSO E PSICOTERAPIA...

                                                            sem título - by Rosan


                    CONSCIÊNCIA DE FRACASSO...

"(...) Em um mundo em que só encontramos proposições e fórmulas cujas metas são o sucesso, escrever algo que leve o título de "consciência de fracasso" põe quem o escreve em posição diametralmente oposta às demandas prementes da consciência coletiva.

Porém isso que tratamos de refletir é produto de um movimento psíquico 
sobre o que nos pressiona interiormente para que 
o conheçamos e o tornemos consciente - 
isso que aqui chamo de consciência de fracasso.

E o fracasso, como tema a ser discutido, está fora das inquietudes de nosso tempo.
O fracasso e o que lhe diz respeito está fortemente reprimido;
é COMO SE isso fosse a última coisa de que gostaríamos de nos inteirar...

O assunto, sem dúvida, tem a ver com minha prática como psicoterapeuta.
É COMO SE a partir do meu trabalho 
me fosse um pouco mais fácil imaginar que se alguém vem me ver e falar comigo, 
em outras palavras, entrar em terapia, 
é porque algo fracassou em sua vida: 
os moldes em que vivia já não funcionam, fracassaram, desmoronaram.



Sem título - by Rosan


Isto é, na psicoterapia a pessoa que se encontra na minha frente está vivendo um fracasso e, 
apesar dos níveis superficiais em que às vezes aparece, 
usualmente esconde complexidades insuspeitadas.

Uma coisa é chamar isso de fracasso e mover-nos para a consciência dele 
e outra coisa é chamarmos eufemisticamente de crise ou algo do tipo, 
com a desculpa redutora de que é uma crise que pode ser resolvida com facilidade, 
quando na realidade, está alterando uma vida inteira;
e nem sempre esse fracasso ou essa crise promove uma reorientação ou um novo sentido do viver.

Que alguém tenha sofrido um fracasso em sua vida e consequentemente venha para a terapia, 
NÃO quer dizer que perceba nem remotamente esse fracasso e, muito menos, 
que se aproxime dele como sendo um veículo propiciador 
que o mova para isso que chamamos consciência de fracasso.


Psicologia - by Rosan

Muitas vezes pode ocorrer que as expectativas do cliente são de que a psicoterapia
 respalde e reforce suas fantasias de sucesso.

E também ocorre, e é o pior, que grande parte da psicoterapia atual se reduz a apoiar a devoção unilateral do sucesso em que tem vivido o cliente, purificando-o redutivamente de tudo o que se oponha ao sucesso como meta pessoal e coletiva.

E mais:
se ao cliente lhe custa aceitar ou ou mesmo pronunciar a palavra fracasso, 
ao psicoterapeuta ocorre o mesmo. 

Pode ser que nisso sejam os psicoterapeutas os mais aptos a entender o que quero dizer, 
já que me parece muito insensato o psicoterapeuta que se identifique com os seus "sucessos" 
e tem uma atitude triunfalista pois, se age assim, 
não terá outro remédio senão o de identificar-se também com os fracassos, 
a não ser que divida essa mecânica de sucesso e fracasso como quem divide uma maçã 
e conceba ingenuamente que  os sucessos são seus e os fracassos do cliente....

O modelo que proponho é o do psicoterapeuta que está a serviço 
de um processo regido por arquétipos constelados na psicoterapia; 
arquétipos através dos quais a natureza humana se expressa psiquicamente,
e num processo em que nem sempre há  uma concordância
do tempo interno e externo na relação terapeuta-cliente.

Duas alquimias distintas e de complexidades insondáveis
e que, ainda assim,
tornam possível o suceder psicoterapêutico..."

(Rafael López-Pedraza - Consciência de Fracasso em  Ansiedade  Cultural - Paulus, 1997)


Catavento - by Rosan


Neste post me limitei a fazer um pequeno recorte do tema  no âmbito da psicoterapia...
Mas o capítulo inteiro acima citado a meu ver - deveria ser conferido. 

A meu ver, sempre que a imagem excessivamente triunfalista predomina de forma unilateral,  
já traz em seu bojo seu oposto também excessivamente negado......

Rosanna Pavesi/Abril 2016

   




domingo, 27 de março de 2016

REFLEXÕES SOBRE "SABEDORIA" - (CONTO: O VELHO ALQUIIMISTA)

                                                  Fonte: The Red Book - C.G. Jung


CONTO: O VELHO ALQUIMISTA

REFLEXÕES SOBRE "SABEDORIA"...

A sabedoria, diz a tradição, é uma virtude que vem com a idade...

Só recentemente a psicologia passou a estudar a natureza dessa "virtude", 
provavelmente porque a gerontologia estava antes mais voltada para a questão 
dos déficits  da idade 
do que para a evolução da maturidade.

De acordo com recentes descobertas no campo da psicologia cognitiva, 
as pessoas maduras são muito eficientes na resolução prática de problemas.
A sabedoria da maturidade envolve uma razão prática, mais do que abstrata..

Neste conto, o velho parece se encontrar numa situação difícil 
em relação ao genro: 
Se ele tenta interferir no problema da família, arrisca-se a se indispor com o genro mas,
 se nada fizer, sua filha e seus futuros netos conhecerão a miséria...

Nas malhas deste dilema, o velho pai chegou a uma solução prática 
aparentemente inteligente e sábia.
De forma que nossa história traça a primeira característica da sabedoria na maturidade: 
ela é prática.
Este tipo de sabedoria não é um sublime conhecimento metafisico, 
mas sim a habilidade de ajudar a resolver reais problemas humanos.


O Ovo - by Rosan


No conto, a sabedoria do velho se apoia sobre uma ação indireta;
 ele nada ordena...
A solução escolhida pelo velho pai implica  um "engano deliberado", um estratagema ...

O que distingue o velho de um patife é a sua integridade.
O velho pai não busca vantagens para si, pelo contrário, 
ele procura o bem tanto do genro quanto de sua filha. 
Seus motivos são altruísticos, e isto é imprescindível para o conceito de sabedoria.
Ele representa uma figura benevolente.

O velho não menospreza o sonho que tem o genro de transforma em ouro 
elementos de pouco valor, nem proíbe o empreendimento...
Afinal ele também tinha sido alquimista quando jovem...


Dream Catchers

Ele parece compreender que os sonhos são a viga-mestra da mocidade,
pouco importando se as aspirações visem reformas sociais, fama, verdades universais 
ou a transformação de elementos de pouco valor em ouro...

Neguem esta ambição  e à mocidade só restarão duas alternativas:
o protesto ou a apatia...
Valorizem esses sonhos - como o velho fez - 
e a juventude enfrentará qualquer difícil obstáculo, qualquer risco.

De forma que o velho, sabiamente incentiva, ou invés de arrefecer 
o entusiasmo do moço. 
Transmuta o idealismo da mocidade em maduro pragmatismo.

Em geral, os contos de jovens enfatizam objetos mágicos 
(a carta "O Mago" n. 2 do Tarot de Marselha)
enquanto os contos de velhos realçam critérios psicológicos 
(a carta "Temperança"  n. 14 do Tarot de Marselha).

O cerne dos contos de velhos reside no fato de que a magia desempenha, 
com a chegada da idade, 
um papel diferente do exercício na mocidade. 
Ela não resolve os  problemas da vida, 
antes enriquece a experiência.

Essa habilidade, que às vezes chamamos de sabedoria, 
é uma tarefa evolutiva, 
que requer autoconfrontação e reflexão... 

O Bosque - by Rosan

Importante não confundir magia com mágica
e sonhos com devaneios...

Bem como não se prender exclusivamente a uma leitura literal,
mas sim acrescentar uma leitura tanto simbólica, quanto metafórica...

Os contos de fadas, de jovens, de adultos,
são um convite explícito a isso...

Rosanna Pavesi/ 27 de Março (Páscoa) de  2016

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

CONTOS DE FADA PARA ADULTOS; O VELHO ALQUIMISTA (DE BURMA)

Senex - by Paul Klee


O VELHO ALQUIMISTA

(Resumo do conto Use o Thorn to draw a Thorn extraído da obra de E. Brochett, 
Burmese and Thai Fairy Tales (Londres, Frrederick Muller, 1965) 

Era uma vez um velho que vivia com uma linda filha.
Ela se apaixonou por um belo rapaz e ambos casaram, com a benção do pai.
O jovem casal viveria feliz, se não fosse um problema:
o marido dedicava todo o seu tempo à alquimia,
sonhando com uma maneira de transformar elementos comuns em ouro.
Logo seu patrimônio acabou e a jovem esposa tinha que lutar diariamente 
para comprar o que comer.
Afinal, pediu ao marido que procurasse emprego, mas ele protestou.
- Estou às portas de uma grande descoberta! - insistia -
Quando eu terminar seremos mais ricos do que sonhamos!


by Rothko


A jovem esposa, por fim, contou seu problema para o pai.
Este ficou admirado ao saber que seu genro era alquimista,
mas prometeu ajudar a filha e pediu que
o jovem viesse vê-lo no dia seguinte.
O rapaz foi contrariado, esperando uma reprimenda.
Para surpresa sua, o sogro lhe confiou:
- Eu também fui alquimista quando jovem! -
O sogro perguntou ao moço sobre o seu trabalho e 
os dois passaram a tarde conversando.
Finalmente, o velho ergueu-se animado. 
- Você tem feito tudo o que eu fiz! - exclamou. 
- Está, sem dúvida, às portas de uma grande descoberta.
Mas, para transformar elementos comuns em ouro você precisa
de mais um componente, e só recentemente eu descobri esse segredo.
- O velho fez uma pausa e suspirou -
Sou, porém, muito velho para realizar essa tarefa. 
Requer muito esforço.


by Paul Klee


- Eu posso fazê-lo, querido pai! - disse o moço espontaneamente.
O rosto do velho se iluminou - Sim, talvez você possa . 
- E, então, curvando-se, sussurrou: 
- O componente que você precisa encontra-se no pó prateado que cresce na folha das bananeiras.
Esse pó se torna mágico quando você mesmo as planta e lança 
um certo encantamento sobre elas.
- De quanto pó precisamos? - o moço perguntou.
- Duas libras - o velho respondeu.
O genro raciocinou em voz alta: - Isso requer centenas de bananeiras!
- Sim - suspirou o velho - e é por isso que eu não posso terminar o trabalho sozinho.
- Não tema! - o jovem disse. - Eu o farei! - 
E assim o velho ensinou ao genro as palavras mágicas e lhe emprestou
o dinheiro para o empreendimento.


Dream Catcher


No dia seguinte o moço comprou o terreno e o carpiu.
Ele mesmo cavou a terra de acordo com as instruções do velho,
plantou as bananeiras e dirigiu-lhes as palavras mágicas.
Cada dia ia examinar as plantas, livrando-as das  doenças
e das ervas daninhas e, quando deram frutos, 
recolheu pó prateado de suas folhas.
Havia muito pouco em cada planta e então o moço 
comprou mais terra e plantou mais bananas.
Depois de muitos anos, conseguiu juntar duas libras de pó mágico.
Correu à casa do sogro.


Cacos e Farrapos by Rosan


- Consegui o pó mágico - o moço exclamou.
- ótimo! - o velho respondeu exultante.
- Agora vou lhe mostrar como transformar elementos comuns em ouro!.
Mas, primeiro, você precisa chamar sua esposa. Precisamos de sua ajuda.-
O jovem  ficou surpreso, mas obedeceu.
Quando a filha chegou, o velho perguntou-lhe:
- Enquanto seu marido juntava o pó de bananeira, o que você fez com os frutos?
- Ora, vendi-os - a filha respondeu -, e foi assim que ganhamos a vida.
- Você economizou algum dinheiro? - perguntou o pai.
- Economizei - ela respondeu.


by G.Klimt


- Posso vê-lo? o velho perguntou.
A filha então correu até sua casa e voltou com diversas sacolas.
O velho abriu-as, viu que estavam cheias de ouro 
e despejou as moedas no chão.
Pegou, depois, um punhado de poeira e colocou ao lado do ouro.
- Veja - disse, voltando-se para o genro - , você transformou a poeira em ouro!


Stardust - WEB


Seguiu-se  um momento de tensão, no qual o moço permaneceu calado.
Depois riu, ao compreender a sabedoria implícita no truque do velho.

E, desse dia em diante, 
ele e a esposa prosperaram muitíssimo.
Ele cuidava da plantação 
enquanto ela ia ao mercado vender as bananas.
E ambos reverenciavam o velho como o mais sábio dos alquimistas...


A Caminho da Cidade by Rosan

E todos viveram felizes para sempre...

Degustem o conto...
Retirem dele o que acharem melhor...
Ou, não retirem nada...
Simplesmente curtam...

Rosanna Pavesi/Janeiro 2016

No próximo post: algumas reflexões sobre o tema
"Sabedoria"
(se é que ela existe...)