terça-feira, 29 de dezembro de 2015

... E FORAM FELIZES PARA SEMPRE

Sem Título - by Rosan


CONTOS DE FADAS 
E
CONTOS DE FADAS PARA ADULTOS

Transmitidos de pais para filhos através dos séculos, os contos de fadas constituem verdadeiros tesouros da sabedoria humana, parábolas que narram a trajetória de vida do ser humano.

Nas histórias mais conhecidas, os protagonistas são crianças, como Chapeuzinho Vermelho, Pequeno Polegar, João e Maria - entre outros -  ou, quando muito, adolescentes, como Cinderela, Branca de Neve, Rapunzel. . 
Não é pois de estranhar que as interpretações destes contos de fada tenham enfatizado a psicologia da juventude e enfocado as tarefas próprias do crescimento.

Há atualmente belas re-leituras, tais como nos filmes "MALÉVOLA" (A Bela Adormecida) e "CAMINHOS DA FLORESTA" (combinação de vários contos de fada num só flme).

Porém a vida, é claro, não termina na juventude, nem em eterna felicidade.
Surge então a pergunta - o que acontece com o "foram felizes para sempre" 
quando o herói e a heroína têm seus filhos 
e quando cabelos brancos coroam o Príncipe e a Princesa?

O que acontece então?

Uma outra série de contos de fadas responde a algumas dessas perguntas.
Esses contos se referem a protagonistas que são claramente chamados de "velhos", 
podendo portanto ser chamados de "CONTOS DE VELHOS". 
Qualquer pessoa acima dos 40 ou 50 anos é "velha", 
posto que os contos de fadas nasceram há muito tempo, quando a vida era dura - e curta;
a expectativa de vida média na Europa medieval era inferior a 25 anos...
Nos contos de fada, portanto, o verbete "velho" 
corresponde, realmente, à meia-idade e além.  

Os contos de fadas que tratam de protagonistas "velhos"
revelam a psicologia da maturidade.
Os "contos de velhos" simbolizam as tarefas de desenvolvimento 
que as pessoas têm de realizar na segunda metade da vida, 
do mesmo modo que as histórias de jovens simbolizam as tarefas da primeira metade.

Os contos de velhos não falam em crescer fisicamente; 
pelo contrário, falam em envelhecer e, sobretudo em crescer -
psiquicamente falando.

Os contos de fadas não se proclamam verdadeiros e, mais que depressa, 
nos advertem desse fato, começando - caracteristicamente- om frases tais como 
"Nos tempos em que os desejos se realizavam...", ou 
"No tempo em que as roupas cresciam em árvores...".

Eles nos arrebatam claramente para um reino de fantasias, 
eles retratam o que pode ser, não simplesmente o que é, 
rompendo os vínculos da realidade prática e da convenção social
 e nisso reside - paradoxalmente, a força do gênero.

Contos de velhos são mais comuns em culturas orientais, 
como no Japão, nos países árabes, na Índia e na China.
Uma razão para isso consiste em  que esses povos sentem por seus anciãos 
mais respeito que a moderna sociedade ocidental, 
inserindo-os, com naturalidade, em grande número de contos populares.

Os contos de velhos entretêm uns e advertem outros,
 aliando inocência infantil e profunda apreciação psicológica,

Esta surpreendente combinação, constitui o compromisso central dos contos de velhos:
o retorno da inocência e da magia à segunda metade da vida,
  congregando o princípio e o fim 
e transfigurando o "e foram felizes para sempre".

(FONTE: ... E Foram Felizes para Sempre - Contos de Fadas para Adultos 
(In The Ever After - Fairy Tales for the Second Half of Life )  por Allan B.Chinen -
 Cultrix, São Paulo - 1993)



Sem Título - by Rosan


O livro me acompanha há muitos anos, desde os tempos de faculdade...
Na época, foi o titulo que me chamou a atenção...
Foi para a estante, entre os "livros a ler..."
E lá ficou durante muito tempo...

Hoje, de repente, não sei...
Talvez tenha chegado o momento..,
saiu da estante... 

De forma que:
É com ele que estou finalmente inaugurando a legenda 
 "Contações" neste blog...

Este post é introdutório ao tema.
No próximo, publicarei o primeiro contos de velhos que escolhi...


Rosanna Pavesi/dezembro 2015









domingo, 6 de dezembro de 2015

QUANTOS ANOS TENHO?

                                                      A árvore da Vida - by Rosan


QUANTOS ANOS TENHO?

"Tenho a idade em que as coisas são vistas com calma, 
mas com o interesse de seguir crescendo.

Tenho os anos em que os sonhos começam trocar carinhos
com os dedos 
e as ilusões se transformam em esperança.

Tenho os anos em que o amor, às vezes, é uma chama louca,
ansiosa para se consumir no fogo de uma paixão desejada.
E em outras, uma corrente de paz,
como um entardecer na praia.


Presentes do Mar - by Rosan

Quantos anos eu tenho?

Não preciso de números para marcar,
pois meus anseios alcançados,
as lágrimas que derramei no caminho,
ao ver meus sonhos destruídos...
Valem muito mais que isso.

Não importa se faço vinte, quarenta ou sessenta!
O que importa é a idade que eu sinto.

Tenho os anos de que preciso para viver 
livre e sem medos.
Para seguir sem medo pelo caminho,
pois levo comigo a experiência adquirida
e a força de meus anseios.

Quantos anos tenho?

Isso não importa a ninguém...
Tenho os anos necessários para perder o medo
e fazer o que quero e sinto".

(José Saramago)
(Fonte:  http://www.contioutra.com )

Gosto de pensar na vida em termos de ciclos, de estações...
Primavera, verão, outono, inverno...
e outra primavera, outro verão, outro outono, outro inverno...
e...
um tempo "redondo", não linear,
nem cronológico tão só...

E a "troca de estações" então...
Sentir-se em pleno verão quando o outono já chegou...
ou já na primavera quando ainda é inverno...

E os momentos fugazes de inverno no verão,
de primavera no outono...

E os momentos "eternos", fora do tempo 
e fora de tempo...

E...



O Fogo Sagrado -by Rosan



Rosanna Pavesi/dezembro 2015






sábado, 7 de novembro de 2015

A CRIATIVIDADE E O EXERCÍCIO PROFISSIONAL...

                                                             Noites Antigas - by Rosan


A CRIATIVIDADE E O EXERCÍCIO PROFISSIONAL

Em geral, a criatividade é considerada como uma aptidão de poucos indivíduos, relacionada a algumas poucas atividades e profissões e, via de regra, ligada à invenção, originalidade e inovação.

Será mesmo que somente alguns indivíduos têm o "dom" da criatividade?
Será que somente algumas profissões solicitam o potencial criativo ou será que a necessidade 
de "ser um pouco artista" não é uma eventualidade no exercício da maioria das profissões?

A criatividade vem sendo cada vez mais afirmada em toda atividade humana 
e reconhecida  - em graus diferentes - em todos os indivíduos.

A apropriação particular do papel profissional que cada indivíduo realiza e seu desempenho 
tendem a ser cada vez mais criativos.
Ao mesmo tempo em que um indivíduo desempenha um papel profissional,
 ele também o transforma, de forma que a criatividade e a espontaneidade garantem
 (ou deveriam garantir) ao individuo maior plenitude consigo mesmo, 
constante crescimento e interação com o meio.

Definir o processo criativo não é simples, pois envolve fatores complexos da natureza humana 
e da  natureza e origem da imaginação humana.

Moreno define criatividade e espontaneidade como a capacidade que permite ao homem 
transformar situações, dando respostas novas e adequadas  
a problemas novos ou antigos.
Ele também delimita como critério principal a condição de adequação, 
o que significa supor, de um lado, o comprometimento de resposta ao contexto da situação e, 
de outro, o contexto interno do indivíduo.
Isto, em contrapartida ao critério de novidade, excepcionalidade, genialidade ou inovação.

Se  a criação contém uma projeção ou uma participação da subjetividade, 
ao mesmo tempo também exige conhecimento do contexto a ser transformado.

Um dos instrumentos potenciais da criação é a memória, que está ligada à identidade 
e que permite ao homem integrar experiências de tempos e contextos diversos
 em novas vivências o que, inclusive, recompõe suas compreensões sobre aqueles contextos.
Pela capacidade de fazer analogias e associações, 
ele transforma a memória em algo vivo, capaz de atuar alimentando a criação.

A intuição  e a percepção  também são também integrantes do processo criativo.
A intuição é capaz de dar novas ordenações a uma situação global ou parcial 
apreendida pela percepção como "encontro com a realidade".
Porém, embora esse processo percepção-intuição seja uma dimensão importante, 
não constitui por si só o processo criativo em sua totalidade 
e não garante a adequação da resposta.

Portanto, é possível considerar que todo desempenho profissional pode - e deveria - ser criativo, 
seja pelo movimento social exigindo e colocando situações e problemas novos, 
seja pela busca de soluções novas a problemas antigos,
 ou ainda pela capacidade do indivíduo de interagir criativamente 
com o papel que lhe é atribuído.


Psicologia - by Rosan


Uma sociedade  que amplia as possibilidades criativas de todos os Fazeres
 que a vida coletiva envolve, 
torna-se também mais capaz e comprometida com a construção do futuro, 
pois tanto o processo que leva o profissional à criação, 
como a própria criação, 
modificam também o profissional.

Como já disse J.Hillman, não existem profissões medíocres...
Há, sim, formas medíocres de exercer as profissões...


Rosanna Pavesi/novembro 2015

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

O QUE É QUE NÃO PODE MORRER NUNCA?

 Dream Catcher... Fonte: WEB



Relendo o belo e singelo livro "O Jardineiro que tinha fé" de Clarissa Pinkola Estes (Editora Rocco), me deparei com este trecho que compartilho:


O QUE É QUE NÃO PODE MORRER NUNCA? 

"(...) O que não pode morrer nunca é aquela fé (psicológica) que já nasce dentro de nós, 
que é maior do que nós, que chama as novas sementes para os lugares 
áridos, maltratados, abertos, para que possamos nos ressemear...

É essa força, na sua insistência, na sua lealdade a nós, no seu amor por nós,
 nos seus meios, na maioria das vezes, misteriosos, 
que é maior, muito mais majestosa e muito mais antiga 
do que qualquer outra jamais conhecida.


Dream Catcher


Tenho certeza de que em cada campo em pousio novas vidas 
estão esperando para renascer.
E o que é mais espantoso, essa nova vida virá, quer queiramos ou não.
Podemos arrancá-la a cada vez, mas ela reenraizar-se-á e voltará a se fundar.

Novas sementes chegarão com o vento e não pararão de chegar, 
dando muitas oportunidades para mudanças e sentimento, para a volta do sentimento, 
para a cura do coração e afinal para uma nova opção pela vida.
De tudo isso tenho certeza...



Dream Catcher


A lição mais árdua de se aceitar, e a mais poderosa que conheço - é o conhecimento, 
uma certeza absoluta de que a vida se repete, se renova, 
não importa quantas vezes seja apunhalada, descarnada, atirada ao chão, ferida, 
ridicularizada, ignorada, desprezada, desdenhada, 
torturada, ou tornada indefesa.


A Chuva by Rosan


Sei que aqueles que sob certos aspectos e por algum tempo estão afastados 
da crença na própria vida, acabam sendo os que perceberão que
 o Éden está por baixo do campo nu, que as sementes novas 
vão primeiro para os lugares abertos e vazios - mesmo quando esse local
 é um coração em luto, 
uma mente torturada 
ou um espírito devastado...



Nova Vida by Rosan



Não tenho a resposta completa...
Só sei o seguinte:

 aquilo a que dedicamos nossos dias pode ser o mínimo do que fazemos, 
se não compreendermos também que algo espera que a gente abra espaço para ele, 
algo que paira perto de nós, algo que ama,
 e que espera que o terreno certo seja preparado 
para que ele possa se revelar.

Estou certa de que, enquanto estivermos aos cuidados dessa força de fé (na vida), 
aquilo que pareceu morto não estará morto, 
aquilo que pareceu perdido também não estará mais perdido, 
aquilo que alguns alegaram ser impossível tornou-se nitidamente possível, 
e a terra que está sem cultivo está apenas descansando - 
à espera de que a semente venturosa chegue com o vento...

E ela chegará...".


Presentes do Mar by Rosan


Assumir o papel de anfitrião hospitaleiro
 e aguardar com paciência e humildade que a nova semente chegue
 - e ela chegará - e produza nova abundância...

Lembro aqui da bela imagem de Roberto Gambini sobre terapia:
Uma Lavoura Arcaíca...

Rosanna Pavesi/Outubro 2015

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

"JOSÉ" - POR CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE




JOSÉ

E agora. José?

A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou,
e agora José?
e agora você?
você que é sem nome, que zomba dos outros,
você que faz versos, que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher, está sem discurso,está sem carinho,
já não pode beber, já não pode fumar, cuspir já não pode,
a noite esfriou, o dia não veio, o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia e tudo acabou 
e tudo fugiu e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra, sua gula e jejum,
seu instante de febre, sua biblioteca, 
sua lavra de ouro, seu terno de vidro,
sua incoerência, seu ódio - e agora?

Com a chave na mão quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar, mas o mar secou;
quer ir para Minas, Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse, se você gemesse,
se você tocasse a valsa vienense,
se você dormisse, se você cansasse, 
se você morresse...
Mas você não morre, você é duro José!

Sozinho no escuro qual bicho do mato,
sem teogonia,
sem parede nua para se encostar,
sem cavalo preto que fuja ao galope,
você marcha, José!
José, para onde?

(Carlos Drummond de Andrade)


Sem título - by Rosan

Pois é...
E agora, José?
José, e agora?
José, para onde?

Rosanna Pavesi/setembro 2015


domingo, 20 de setembro de 2015

AS VIRTUDES DA CAUTELA: UM APELO AO DESPERTAR DE NOSSAS RESPOSTAS ESTÉTICAS...

                                                              O Bosque - by Rosan


AS VIRTUDES DA CAUTELA...

Trechos extraídos do belo artigo de James Hillman - com o mesmo título - publicado 
originalmente em Resurgence - n. 213- August 2002.

"(...) Ao diminuir a velocidade e questionar os meios mais evidentemente eficientes, 
a precaução incita inovações e experimentos.

Um convite a Hermes, o de mente mercurial, para testar maneiras previamente não imaginadas 
de se chegar aos mesmos fins e que estejam de acordo com esses fins. 

A necessidade causada pela cautela, na verdade, se torna a mãe da invenção...

Sou um psicólogo e, como tal, preciso oferecer um chão psicológico à cautela. 
Três tipos de fundos de cena, 
são particularmente interessantes de serem lembrados:

O primeiro é a máxima hipocrática: PRIMUM NIHIL NOCERE:

Antes de qualquer ação, ou plano de ação, antes de mais nada, considere o lado ruim antes do bom.
Considere os riscos ao invés dos benefícios.
 Aborde os piores cenários possíveis e estenda na integra a noção de "fazer mal".
É importante lembrar que toda intervenção nos modos do mundo 
sempre atrai uma sombra 
e que a Terra tem suas próprias virtudes e forças, ou seja lembrar que 
a natureza pode estar agindo de maneiras que nossa falta de precaução não nos deixa perceber.
A cautela hipocrática traz consigo um fundo de animismo antigo, 
de respeito pela dignidade e poder dos fenômenos. 
Solicita uma escuta atenta dos fenômenos...

O segundo é o daimon de Sócrates:

Em vários trechos dos escritos de Platão, Sócrates é descrito como alguém que se detém
 diante de uma ação devido à intervenção de seu daimon.
Este daimon, espírito, anjo, voz interior, gêmeo invisível, 
este "fator psíquico autônomo" (Jung), espírito cauteloso...
Segundo Sócrates, o espirito acautelador nunca diz a alguém o que fazer, 
só o que não fazer...
Ele age unicamente como cautelar e fala de maneira peculiar: 
não estatística nem cientificamente, 
mas como anedota ou superstição, sintomaticamente como augúrios, pistas e sussurros;
até mesmo através de eventos corporais como espirros, bocejos e soluços.

O terceiro é o background endêmico das sociedades ocidentalizadas em qualquer lugar,
a depressão...

A depressão, quer da psique, quer da economia, é desesperadamente
 temida nas sociedades ocidentalizadas e todas as medidas possíveis são  mobilizadas
 contra ela.
A pressão que sentimos, as drogas que tomamos, as expectativas que nutrimos 
e os ditados da expansão econômica global, 
são todas medidas anti-depressivas.

A precaução, desta perspectiva, tem pouco valor.
Sugerir cautela numa sociedade maníaca é entendido por ela somente como depressão e, 
por isso, o princípio da cautela deve ser introduzido em termos maníacos, 
como inovador, progressista, penetrante, visionário 
e benéfico em escala mundial."

Além dos backgrounds hipocrático, socrático e depressivo à psicologia da cautela, 
Hillman acrescenta um quarto pano de fundo: A Beleza.

Diz ele:
 " A Beleza pára o movimento, nos arrebata; retemos a respiração, 
ficamos surpresos ou maravilhados, espantados ou mesmo aterrorizados 
e o mesmo é verdadeiro também com relação à feitura...

A beleza recai sobre nós num relance, nos agarra e solta. O horror faz o mesmo.
A resposta estética é dada com a psique, como um daimon interno acautelador 
que nos detém,  como o humor depressivo que recusa a ação.

A beleza porém impele à ação...
Isto é, a resposta estética simples conduz ao protesto estético contra a feiura por um lado e, 
por outro, ao desejo estético de preservar, proteger e restaurar o belo,
MAS
 a beleza, bem  como  a cautela, não foi feita para ficar quieta...
A beleza só quer que nós detenhamos por um momento o insensato e insensível impulso 
para a frente afim de abrir os sentidos ao provocar a resposta estética.

Nossos narizes, assim como nossos olhos e ouvidos
 também são instrumentos políticos, protestadores.
Uma resposta estética é uma ação política...

Nos posicionar a favor de nossas respostas,
essas reverberações estéticas da verdade na alma,
pode ser o principal ato cívico do cidadão, 
a origem da cautela e do próprio princípio de precaução com seus avisos para
parar, olhar e escutar..."

(James Hillman)


Não sou uma pessoa cautelosa por natureza... muito pelo contrário...
Com o tempo, aprendi sobre os backgrounds hipocrático, socrático 
e depressivo numa sociedade maníaca..
Aliás descobri que nossa sociedade é maníaca com Hillman...
As coisas foram se clareando...

Hoje, ainda dou "grandes saltos", porém aprendi que o ditado
NÃO é " Não salte", mas SIM "Olhe antes de saltar.."

E eu olho...




Rosanna Pavesi/Setembro 2015















quarta-feira, 9 de setembro de 2015

POEMA EM LINHA RETA... POR FERNANDO PESSOA

                                                         Sem Título - by Rosan


POEMA EM LINHA RETA 


Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo.

Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolados os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;

Eu, que tenho sido cômico às  criadas do hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na  vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!

Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

(Fernando Pessoa)


Nos últimos tempos, em diversas ocasiões, tenho me sentido ridícula...
Ou melhor, os "semideuses" têm me feito sentir ridícula...

Não abdico de ser como eu sou, mesmo que ridícula aos olhos de alguns...

Mas hoje, confesso, digo junto ao poeta

Onde é que há gente no mundo?


Rosanna Pavesi/setembro 2015









domingo, 2 de agosto de 2015

O QUE É A PSIQUE?

Psiquê by Rosan



O QUE É A PSIQUE?

"(...) Recentemente um professor disse aos seus estudantes na universidade que, na verdade, não necessitamos da psicologia, pois esta seria aquilo que sabemos a nosso respeito, que cada um sabe a seu respeito...
É exatamente como se um professor  da faculdade de medicina dissesse: 
"Não precisamos de anatomia, pois ela é o que temos, é o que somos...
E fisiologia - não precisamos dela. Podemos digerir sem sabermos algo sobre fisiologia.
Não necessitamos de um livro didático para a digestão. 
É o que somos, é o que fazemos, é o que fazemos todos os dias".

Isto revela que nesse sentido existe um preconceito generalizado
de que a psique seja aquilo que sabemos a nosso respeito.

Mas a psique é justamente o que NÃO sabemos a nosso respeito...

O que sabemos a nosso respeito é a consciência e seus conteúdos.
Essa consciência, entretanto, é consideravelmente perturbada por processos objetivos 
que, em sua natureza, são inconscientes e desconhecidos.

Podemos, entretanto, experimentá-los de forma indireta através dos efeitos que exercem 
sobre a consciência, da qual podemos depreender certas imagens para ilustrá-los.

E assim, criamos igualmente, a partir daquilo que a consciência nos possibilita,
  modelos dos processos inconscientes.
 Mas estes modelos NÃO são os processos em si.

Esses processos são os processos básicos. 
São processos relacionados aos instintos, que apresentam formas instintivas 
designadas de arquétipos.



Sem Título - by Rosan



Os Arquétipos

Os arquétipos em si não são passíveis de formulação, não os conhecemos, não são representáveis,
 e sim, existem enquanto fatores atuantes, mais ou menos assim como a rede cristalina da água-mãe...
Há um sistema axial invisível em uma água-mãe.completamente amorfa. 
E assim, após um longo e complexo processo, se forma o cristal...

É exatamente assim que as coisas funcionam na psique inconsciente. 
Possuímos um sistema axial, isto é, um sistema arquetípico que constitui
 a base de todas as formas conscientes, quer dizer, das formas principais.

Pois nossa consciência também é condicionada pelo meio externo, pelo mundo não psíquico, 
o mundo material, o "mundo dos corpos em movimento",
o que é a definição de realidade.

Por outro lado, existe um sistema axial potencial que representa a psique objetiva.
 Pode-se comparar, sem objeção, isso a um cristal.
Pode-se dizer que é a psique de um cristal.
O cristal tem uma psique axial...

Em nosso caso, também é assim...


A PSIQUE...

Fonte: WEB


Temos na psique: 
Os assim chamados processos conscientes subjetivos - estes são assumidamente subjetivos - 
e as bases psíquicas objetivamente existentes que,
 estranhamente, não são pessoais, e sim, gerais. 

Estas são sempre as mesmas no caso do índio, do chinês ou seja lá onde for,
 apesar de nossa consciência ser inteiramente diferente.
É este então o inconsciente coletivo que é impessoal, 
tão impessoal como, por exemplo, um figado humano...

(...) O fato de termos uma psique é uma questão objetiva. 
Isso não se deve a um esforço nosso.
Também não é uma decisão de nossos país.
Pelo contrário, quando nascemos, nascemos com uma psique, 
isto é, com esta psique.

Trata-se de uma psique antropoide. 
E esta é objetiva, um sistema de cristal objetivo.

O cloreto de sódio, por exemplo, tem uma estrutura cúbica.
A água tem uma estrutura hexagonal. 
Simplesmente a tem, ela é determinada desse modo.
Caso não a tenha, então não é água.

E, sendo assim, uma psique que é objetiva, que não buscamos, 
que está presente antes de sabermos a respeito,
faz parte do ser vivo."

(C.G. Jung em "Sobre Sentimentos e a Sombra" - pp 73-79 Vozes, 2014)


C.G. Jung - Fonte: WEB


Por que este texto?

Certo dia uma cliente me perguntou:
 "Mas, afinal, o que é a psique? Pode me explicar?"

Para que este texto?

Expliquei com minhas palavras e me dei conta de que, às vezes, 
mesmo sem querer,  utilizamos em nosso ofício termos que são "óbvios"
 e "prenhes de sentido" para nos, mas talvez só para nos...

Termos que, ao cair no "uso popular", se "naturalizaram", 
de forma a se tornarem banais e superficiais...

Assim, fui à "fonte" averiguar se eu mesma ainda não tinha incorrido 
no mesmo erro e se sabia, afinal,  "o que é a psique...".


Rosanna Pavesi/ Agosto 2015












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domingo, 19 de julho de 2015

SOBRE ANDROGINIA INTRAPSÍQUICA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES PESSOAIS...

                                                                 Sem Título - by Rosan


SOBRE ANDROGINIA INTRAPSÍQUICA
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES PESSOAIS...

O que eu compreendo e chamo de androginia intrapsíquica...

A androginia intrapsíquica NÃO deve ser confundida nem com sexo, nem com gênero, nem com preferência ou escolha sexual, muito menos com "aparência física"...

É, mais simplesmente, uma qualidade da consciência, uma consciência que escolhe abranger tanto as características psicológicas "femininas" quanto "masculinas" de sua individualidade, independente dos aspectos físicos, concretos e literais.

Do ponto de vista exclusivamente psicológico:

 Hermafrodita (início do processo): 
Aspectos "masculinos" e "femininos" ambos presentes, porém indiferenciados e misturados.

Andrógino (final de processo):
"masculino" e "feminino" diferenciados, separados, não mais misturados,
 mas sim re-unidos após o processo de diferenciação.


Sem título - Fonte: WB



MODELO TEÓRICO: EVOLUÇÃO DA CONSCIÊNCIA COLETIVA
(Fonte: Falo - A Sagrada Imagem do Masculino - Eugene Monick - Paulus)

Inconsciente Psicoíde (raiz básica do Unus Mundus)

- União Original = Phallos Protos + Uroboro Materno
- Inocência: Pré-Consciente - Jardim de Éden 
- Transgressividade Primitiva = Não diferenciação Psicológica
- Hermafrodita - Combinação dos dois sexos

Consciência Antiga (Das Mutterrrecht) - Matriarcado

- Dominação pela Matéria
- Tirania do Instinto
- Fechamento Uterino da Vida

Consciência Atual (ainda...) - Patriarcado

- Inconsciente-= Feminino
- Consciência = Masculina
- Falo Ctônico = Tirania do Instinto
- Falo Solar = Dominação pelo do Espírito

Consciência Nova: Unus Mundus (o segundo passo de Jung)

- Individuação - Perda da Inocência Pós-Consciente
- Transgressividade relacionada com um Eu desenvolvido
- Androginia = Concordância de gêneros
- Hierosgamos = União dos Opostos Diferenciados

A nível Intrapsíquico,: da pessoa com os vários níveis de si mesma.(somos múltiplos); a Nível  Interpessoal: da pessoa com os outros; a Nível Transpessoal: além do pessoal - o supra-ordenado.


A Mandorla - Fonte: WEB


A consciência nova é pós-consciente, no sentido de que NÃO é subserviente 
nem ao matriarcado, nem ao patriarcado. 
Ela passou através deles, é posterior a eles...

A consciência nova está consciente do bem e do mal como qualidades arquetípicas
 (como era a humanidade primitiva),
  mas também, crucialmente, também como qualidades pessoais, 
um passo inconcebível anterior à emergência do matriarcado  e do patriarcado.

O conflito que resulta da competição entre os sexos pelo poder, 
resulta na possibilidade de integração da sombra. 
Quando alguém é inocente, esse alguém é INCONSCIENTE...

Existe uma diferença entre a Androginia na Consciência Nova e o 
Hermafroditismo no Inconsciente Psicoíde:

O hermafroditismo é a falta de diferenciação...
A androginia é completamente diferente...

A androginia conhece a diferença entre a masculinidade e a feminilidade e 
escolhe incorporar uma posição que possui do sexo oposto 
em sua identidade dominante.

Um homem /ou uma mulher andrógino não reprimirá suas características
 femininas e/ou masculinas, embora às vezes possa decidir suprimi-las.
Ele/ela sabe que elas são parte dele/dela, 
pois trabalhou contra a resistência do ego  para integrá-las.

By A. Piza - Fonte: WEB


Em seu belo livro O Mito da Análise, James Hillman também aborda a questão da Androginia 
que- segundo ele - é um potencial a priori, aberto a todos que estejam dispostos 
a aceitar sua "inferioridade feminina", ou seja ir além da misoginia...

Seu "modelo" é Dioniso, uma consciência dionisíaca...
Hillman é homem e busca como homem...
Aponta um "padrão" masculino de androginia mas, 
qual seria o "padrão" feminino de androginia?



Sem título - by Rosan


Qual seria o "modelo" de consciência andrógina numa mulher?
Uma mulher que constele este "potencial a priori" ?

Talvez não haja "modelos" ou "padrões"...
Talvez se trate de uma construção,
 de um caminho que se faz ao caminhar...

"(...) A mulher que não mais significará apenas uma oposição ao macho, 
nem suscitará a ideia de complemento e de limite, 
mas a de vida, de existência:
  A Mulher Ser Humano..."

(R.M.Rilke - Cartas a um Jovem Poeta)


Fica em aberto o tema para quem quiser, ou decidir - ou necessitar -
pesquisar, indagar, refletir, buscar o caminho de uma Consciência Andrógina...

Rosanna Pavesi/Julho 2015

quinta-feira, 4 de junho de 2015

SOBRE ALQUIMIA: AS OPERAÇÕES...

O Inverno  - by Rosan




OPERAÇÕES ALQUÍMICAS

E.F. Edinger em seu livro Anatomia da Psique – Cultrix, 1995,
 organiza e concentra a atenção naquelas que, de seu ponto de vista, 
são as principais operações alquímicas.

Descoberta a prima matéria, deve-se submetê-la a uma série de  procedimentos químicos
 a fim de transformá-la na Pedra Filosofal (Lapis Philosophurum).


Sem título - by Rosan

                                 
Não há um número exato de operações alquímicas, e muitas imagens se sobrepõem. 
Edinger considera sete dessas operações como os principais componentes da transformação alquímica.
 É importante lembrar que cada operação alquímica exibe tanto um aspecto inferior 
quanto um superior,  bem como um lado positivo e um lado negativo.

São elas:

CALCINATIO: Elemento FOGO

O Fogo - by Rosan

Intenso aquecimento de um sólido, destinado a retirar dele 
a água e todos os demais elementos passíveis de volatilização.

O fogo da calcinatio é um fogo purgador, purificador, embranquecedor. 
O que é “sacrificado” pela combustão torna-se “sagrado”. 
De um modo geral, quando enfrentamos a realidade da vida, 
ela nos propicia um grande número de ocasiões para a calcinatio 
de desejos frustrados.Resta um pó fino e seco. 

A calcinatio atua sobre a matéria negra – O NIGREDO -  tornando-a branca, 
que representa a ALBEDO, ou fase de embranquecimento.


SOLUTIO: Elemento ÁGUA

Sem título - by Rosan


Transforma um sólido num líquido.
 O sólido parece desaparecer no solvente, como se tivesse sido engolido. 
Para o alquimista, a solutio significava com frequência o retorno da matéria diferenciada 
ao seu estado indiferenciado original, isto é a prima matéria.
                             
  Em termos psicológicos, poderia se dizer que o agente da dissolução será um ponto de vista superior, mais abrangente, capaz de atuar como recipiente para a “coisa” inferior. 
Sonhos com inundações podem ser referência à solutio.


COAGULATIO: Elemento TERRA


Terra em camadas - by Rosan


É o processo que transforma as coisas em terra.  “Terra” é, por conseguinte, um dos sinônimos de coagulatio. Pesada e permanente, a terra tem forma e posição fixas.
Não desaparece no ar por meio de volatilização, nem se adapta à forma 
de qualquer recipiente, ao contrário da água.
Assim, para um conteúdo psíquico, tornar-se terra significa concretizar-se 
numa forma localizada particular.

Há três agentes da coagulatio: 

o magnésio (união do espírito transpessoal com a realidade humana corriqueira), 
o chumbo (pesado, sombrio, incomodo; associado ao Planeta Saturno 
que carrega as qualidades da depressão, da melancolia e 
da limitação  mortificante do tempo cronológico, da realidade terrena) 
e o enxofre (associado ao sol, por sua cor amarela e seu caráter inflamável).

Em linguagem psicológica, a força impulsionadora da consciência, o desejo.
 É o desejo que coagula.
O atrativo do desejo é a doçura da realização. O MEL, na qualidade de exemplo supremo da doçura, é portanto um agente de coagulatio.

Nos sonhos, referências a doces, (balas, bolos, biscoitos, etc.) podem tanto indicar
 uma tendência regressiva de busca imatura de prazeres  – “pedindo” mortificatio – 
quanto uma autentica necessidade de coagulatio.

Os conceitos e abstrações NÃO coagulam. Formam ar, e não terra. 
São agentes de sublimatio.

As imagens dos sonhos coagulam; elas vinculam o mundo terreno
 com o mundo psíquico por meio de imagens análogas ou proporcionais 
e por isso coagulam o material que vem da psique.


 SUBLIMATIO: Elemento AR

Lunar Sky - by Rosan


Deve-se esclarecer, desde o início, que a simbologia da sublimatio alquímica 
nada tem a ver com a teoria freudiana da sublimação.

          A sublimatio alquímica é parte da arte regia em que é feito o verdadeiro ouro; 
se trata de uma transformação alquímica que requer o fogo e a prima matéria negra. 
Ela é um grande Mistério.

Em alquimia, a sublimatio transforma o material em ar por meio de 
 sua elevação e volatilização. 
O termo sublimação vem do latim sublimis que significa “elevado”. 
Isso indica que o aspecto essencial da sublimatio é um processo de elevação 
por intermédio do qual uma substância inferior se traduz numa forma superior 
mediante um movimento ascendente.

A terra se transforma em ar; um corpo fixo se volatiliza; aquilo que é inferior, torna-se                               algo superior. (inferus = embaixo; superus = em cima).                                
Nos sonhos, todas as imagens referentes a movimento para cima – escadas, degraus, elevadores, alpinismo, montanhas, voar e assim por diante – podem estar associados à simbologia da sublimatio, bem como a imagem da torre que dá uma visão panorâmica não disponível no solo.
Em termos psicológicos, isso pode apontar para uma forma de lidar com um problema concreto:  ficamos “acima” dele quando o vemos objetivamente. Abstraímos um sentido geral dele e o vemos como um exemplo particular de uma questão mais ampla.                                                                
Quanto mais alto nos elevamos, tanto maior e mais ampla nossa perspectiva; 
PORÉM, ao mesmo tempo, tanto mais distantes ficamos da vida terrena e tanto menor nossa capacidade de agir sobre aquilo que percebemos: tornamo-nos expectadores magníficos, mas impotentes...
A sublimatio pode também ser compreendida como uma destilação, uma purificação. Quando são misturados, num estado de contaminação inconsciente, a matéria e o espírito devem ser “purificados” pela superação.
A capacidade de estar acima das coisas e de ver a si mesmo com objetividade é a habilidade de dissociar. A capacidade “natural” de dissociação da psique pode ser tanto uma fonte de consciência quanto a causa de perturbações psíquicas.
A sublimatio, assim como cada operação alquímica, quando levada ao extremo, tem sua própria sintomatologia “patológica”, podendo tornar-se um processo autônomo de dissociação, onde o indivíduo vê-se tragicamente aprisionado no dinamismo arquetípico – neste caso - da sublimatio, afastando-se mais e mais da realidade terrena e pessoal.
     A sublimatio extrema é compensada pela imagem da coagulatio. 
Falamos aqui da sublimatio inferior: as imagens de subida, altura e de voo quase sempre indicam a necessidade de uma descida  à realidade terrena. Estar preso no céu pode ser desastroso. A subida e a descida são igualmente necessárias.
Como afirma um dito alquímico: “Sublima o corpo e coagula o espírito" (Solve et Coagula). 
O movimento ascendente eterniza; o movimento descendente humaniza, personaliza.
Quando esses movimentos se combinam temos outro processo alquímico, a assim chamada CIRCULATIO...
No plano psicológico, a circulatio é o circuito repetido de todos os aspectos do ser que, aos poucos, gera a consciência de um centro transpessoal que unifica os fatores em conflito. 
Há um transito pelos opostos experimentados alternativamente, repetidas vezes, até verificar-se sua reconciliação...
 Devemos percorrer repetidamente o circuito de nossos próprios complexos no decorrer de sua transformação.
A Opus alquímica começa e termina na terra. Isso sugere a importância primordial conferida à realidade terrena, concreta – no espaço e no tempo.
A realização da limitada condição humana é colocada ACIMA da perfeição ideal.

MORTIFICATIO/PUTREFACTIO:
 Escurecimento ou Nigredo da Prima Materia.

O Mago Negro by P. Klee

Os dois termos são intercambiáveis, referindo-se a diferentes aspectos da mesma operação. 
Putrefactio é “putrefação”, a decomposição que destrói corpos orgânicos mortos. 
Da mesma maneira como a mortificatio, a putrefactio não é algo que ocorra nas operações da química inorgânica com a qual os alquimistas estavam envolvidos. 
Trata-se de metáforas...
A mortificatio é a mais negativa operação da alquimia. Está vinculada ao negrume, à derrota e fracasso, à tortura, à morte e ao apodrecimento. Sua marca é a cor negra.
Em termos psicológicos, o negrume refere-se à sombra e às consequências positivas advindas do fato de se ter consciência da própria sombra. A nível arquetípico, ter consciência do MAL per se;” a negrura é o começo da brancura” 
diz um dito alquímico mas, desnecessário dizer, que raramente alguém opta por ter essa experiência...Ela costuma ser imposta pela vida...
                        Em sonhos, fezes, excrementos, vasos sanitários sujos e maus odores referem-se à putrefactio. Imagens de decapitação, ou separação entre a cabeça e o corpo também pertencem à simbologia da putrefactio, mortificatio.   
                         
  SEPARATIO: 
separação, diferenciação dos elementos da prima matéria

Pote Quebrado - by Rosan
Considerava-se a prima materia um composto, uma confusa mistura de componentes indiferenciados e opostos entre si, composto esse que requeria um processo de separação. Um mistura composta passa por uma discriminação de suas partes componentes.
Produz-se a ordem a partir da confusão, num processo análogo ao do nascimento do cosmos a partir do caos nos mitos de criação.
Um aspecto importante do processo da separatio é a separação entre sujeito e objeto, entre o eu e o não-eu.
Em sonhos, espadas, facas, laminas bem afiadas de todos os tipos e objetos cortantes podem pertencer à simbologia da separatio. Imagens de medição, contagem, o ato de pesar e a consciência quantitativa em geral também pertencem à operação de separatio.
O mesmo pode ocorrer com a aritmética aplicada, imagens geométrica de linhas, planos e sólidos, bem como com os procedimentos do agrimensor e do navegador de fixação de fronteiras, medição de distâncias e estabelecimento de localizações dentro de um sistema de coordenadas. (atualmente, um GPS...).
Assim, o compasso, a régua, o esquadro, as escalas, o sextante, o fio de prumo, bem como relógios e outras forma de cálculo do tempo, fundamento de existência temporal e consciente. A secção áurea também pertence à simbologia da separatio.
Terminada a separatio, os opostos purificados (mundificatio) podem ser reconciliados na coniunctio...
                              
CONIUNCTIO:
 re-unir o que foi separado, diferenciado...

Os Noivos Vão à Cidade - by Rosan
A coniunctio é o ponto culminante da opus. 
Em termos históricos como psicológicos, ela apresenta um aspecto extrovertido e um aspecto introvertido.
O fascínio dos alquimistas com a coniunctio do lado extrovertido promoveu um estudo do milagre da combinação química e levou à química moderna e à física nuclear. Do lado introvertido, esse fascínio gerou o interesse pelo conjunto de imagens e pelos processos inconscientes, levando à psicologia profunda do século XX.
Ao que tudo indica, os alquimistas tiveram a oportunidade de testemunhar em seus laboratórios muitos exemplos de combinação química e física, na qual duas substâncias se unem para criar uma terceira substância com propriedades distintas. Essas experiências forneceram imagens para a fantasia alquímica.
Quando se tenta compreender o rico e complexo simbolismo da coniunctio, é aconselhável distinguir entre duas fases: uma coniunctio inferior e uma superior.
A coniunctio inferior é uma união ou fusão de substâncias que ainda não se encontram completamente separadas ou discriminadas; é sempre seguida pela morte ou mortificatio.
A coniunctio inferior ocorre sempre que o ego se identifica com conteúdos inconscientes. Essas coniuntios contaminadas devem ter como sequência a mortificatio e uma nova separatio.
A coniunctio superior, por outro lado, é o alvo da opus, a suprema realização.
Na realidade concreta, esses dois aspectos se acham frequentemente combinados. A experiência da conunctio é quase sempre uma mistura dos aspectos inferior e superior.
“Algo” é purificado (mundificatio) por meio de separação (separatio), e é dissolvido (solutio) digerido e coagulado (coagulatio), sublimado (sublimatio), incinerado (calcinatio) e fixado pela ação recíproca do Adepto/a como agente e paciente, alternando-se para melhorar...: 
a pessoa é jogada para lá e para cá entre os opostos, de modo praticamente interminável. Mas surge, de maneira gradual, um novo ponto de vista que permite a experiência dos opostos ao mesmo tempo, o um-ao-lado-do-outro.
O termo “Pedra Filosofal” é, por si mesmo, uma união de opostos: a filosofia, o amor da sabedoria, é um empreendimento espiritual, ao passo que uma pedra é realidade material, dura e crua. 
É “a pedra que não é uma pedra...”.

C.G. Jung - Fonte: WEB
    Diz Jung:
“...Aquilo que a natureza inconsciente buscava, em última análise, quando produziu a imagem do lápis (pedra), pode ser visto de maneira bem clara na noção de que esta se originava na matéria do homem... A espiritualidade de Cristo era por demais elevada e a naturalidade do homem por demais inferior. 
Na imagem de ... lápis (pedra), a “carne” glorificou a si mesma à sua própria maneira; 
ela NÃO se transformou em espírito mas, pelo contrário, “fixou” o espírito na pedra...”  
(C.G. Jung – Alchemical Studies – CW 13, par. 127).
A Pedra Filosofal possui qualidades de proiectio e de multiplicatio; essas operações não são realizadas pelo alquimista, mas pela lápis (pedra); 
são qualidades e características da própria Pedra em si...


A ação da Pedra é um ponto final adequado porque nos recorda que dar atenção ao conjunto de imagens da Psique Objetiva (de que a alquimia é um exemplo) gera auspiciosos efeitos recíprocos.
Rosanna Pavesi/Junho 2015