segunda-feira, 28 de setembro de 2015

"JOSÉ" - POR CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE




JOSÉ

E agora. José?

A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou,
e agora José?
e agora você?
você que é sem nome, que zomba dos outros,
você que faz versos, que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher, está sem discurso,está sem carinho,
já não pode beber, já não pode fumar, cuspir já não pode,
a noite esfriou, o dia não veio, o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia e tudo acabou 
e tudo fugiu e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra, sua gula e jejum,
seu instante de febre, sua biblioteca, 
sua lavra de ouro, seu terno de vidro,
sua incoerência, seu ódio - e agora?

Com a chave na mão quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar, mas o mar secou;
quer ir para Minas, Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse, se você gemesse,
se você tocasse a valsa vienense,
se você dormisse, se você cansasse, 
se você morresse...
Mas você não morre, você é duro José!

Sozinho no escuro qual bicho do mato,
sem teogonia,
sem parede nua para se encostar,
sem cavalo preto que fuja ao galope,
você marcha, José!
José, para onde?

(Carlos Drummond de Andrade)


Sem título - by Rosan

Pois é...
E agora, José?
José, e agora?
José, para onde?

Rosanna Pavesi/setembro 2015


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