sábado, 27 de janeiro de 2018

NOSSAS MUITAS FOMES...

By C. Portinari



NOSSAS MUITAS FOMES...

"Do meu cômodo posto de observadora - e o duro posto de cidadã, onerada de
altíssimos impostos, contas a pagar, perplexidade e insegurança, e otimismo
anêmico -, quero expandir o conceito de fome.

A fome, as fomes: de dignidade, a essencial.
De casa, saúde e educação, as básicas.
Mas - não menos importantes - 
a fome de conhecimento, de possibilidades de escolha.

Fome de confiança, ah, essa não dá para esquecer.
Poder confiar no guarda, nas autoridades, nos pais e no país, e também nos filhos.
Em nós mesmos, se nos acharmos merecedores.



by C. Portinari


Confiar em quem votei, e em quem não recebeu meu voto:
ser digno não é vantagem, é obrigação básica.
Andamos tão desencantados, que ser decente parece virtude,
ser honesto ganha medalha, e ser mais ou menos coerente merece aplausos.

Fome de conhecimento:
não é alfabetizado quem apenas assina o nome, 
mas quem assina o que leu e compreendeu.
De outro modo, perigo a vista.
Não cursa uma verdadeira escola quem dela sai para a vida
sem saber pensar, argumentar e discernir.

Informar-se é também ler: ler como se come o pão cotidiano...




By C. Portinari


Não creio que a violência que assola este país e nos transforma em ratos assustados
seja simplesmente fruto da fome de comida, mas da fome de auto-estima.

(...) Andamos acuados pela brutalidade que transcende os limites urbanos,
atingindo lugares bucólicos que antes pareciam paraísos intocáveis...

Teremos paz, esta nossa grande fome?

(...) Tudo começa, como dizem, em casa: 
desde quando ela era uma primitiva caverna, e nós uns trogloditas 
um pouco menos disfarçados do que hoje,
com fomes bem mais simples de satisfazer.".

(Lya Luft em "Em Outras Palavras" - Record 2006)
O Cão by Giacometti


O texto acima é de 2006... 
Nossas muitas fomes apontadas pela autora continuam fomes...
E a lista cresce...

Que cada um acrescente, às fomes apontadas acima,
suas próprias muitas fomes...

Rosanna Pavesi/janeiro 2018


Fonte: WEB








domingo, 14 de janeiro de 2018

SOBRE SER...

Fonte: WEB


NÃO SOU...

"Não sou a areia
onde se desenha um par de asas
ou grades diante de uma janela.

Não sou apenas a pedra que rola
nas marés do mundo,
em cada praia renascendo outra.

SOU...

Sou a orelha encostada na concha
da vida, sou construção e desmoronamento,
servo e senhor, e sou
mistério.

A quatro mãos escrevemos o roteiro
para o palco do meu tempo:
o meu destino e eu.

Nem sempre estamos afinados,
nem sempre nos levamos
a sério..."

(Lya Luft em Perdas e Ganhos - Record, 2003)


Sem titulo - Fonte: WEB



Rosanna Pavesi/Janeiro 2018

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

UM POUCO DE SILÊNCIO...

Sem título - Fonte: WEB


UM POUCO DE SILÊNCIO...

" Nesta trepidante cultura nossa, da agitação e do barulho, 
gostar de sossego é uma excentricidade.

Sob a pressão de ter quer parecer, ter de participar, ter de adquirir,
ter de qualquer coisa, assumimos uma infinidade de obrigações.
Muitas desnecessárias, outras impossíveis, 
algumas que não combinam conosco nem nos interessam.

Não há perdão nem anistia para os que ficam de fora da ciranda:
os que não se submetem mas questionam,
os que pagam o preço de sua relativa autonomia,
os que não se deixam escravizar, pelo menos sem alguma resistência.


Fonte: WEB


O normal é ser atualizado, produtivo e bem-informado.
É indispensável circular, estar enturmado.
Quem não corre com a manada praticamente não existe,
se não se cuidar botam numa jaula: animal estranho.

Acuados pelo relógio, pelos compromissos, pela opinião alheia,
disparamos sem rumo - ou em trilhas determinadas -
feito hâmsteres  que se alimentam de sua própria agitação.

Ficar sossegado é perigoso: pode parecer doença.
Recolher-se em casa ou dentro de si mesmo,
ameaça quem leva um susto cada vez que examina sua alma.



Fonte WEB


^(...) O silêncio nos assusta, talvez por retumbar no vazio dentro de nós.
Quando nada se move nem faz barulho, notamos as frestas
pelas quais nos espiam coisas incômodas e/ou mal resolvidas,
ou se enxerga outro ângulo de nós mesmos.
Nos damos conta de que somos apenas figurinhas atarantadas 
correndo de um lado para o outro.

(...) Quem é esse que afinal sou eu?
Quais seus desejos e medos, seus projetos e sonhos?
No susto que essa ideia provoca, queremos ruído, ruídos...


Fonte: WEB


Silêncio faz pensar, remexe águas paradas...

(...) Mas, se a gente aprende a gostar de um pouco de sossego,
descobre - em si e no outro - regiões não imaginadas, questões fascinantes, 
e não necessariamente ruins.

(...) A quietude pode ser como uma chuva intensa e lenta,
tornando tudo singularmente novo:
nela a gente se refaz para voltar mais inteiro ao convívio,
às tantas frases, às tarefas, aos amores.

(...) Um pouco de silêncio bom para que eu escute o vento nas folhas,
a chuva nas lajes, e tudo o que fala 
muito além das palavras de todos os textos e da música 
de todos os sentimentos..."

(Lya Luft - Pensar é Transgredir - Record - 2004)


A Chuva - by Rosan


Sentada aqui, tranquila, escrevendo este texto,
com uma chuva mansa caindo lá fora, 
de repente me senti em paz, inteira, presente...

Todo final de ano, por festivo que seja,
carrega consigo agitação, barulho, correria...
Então o presente deste tarde veio como um balsamo...

Rosanna Pavesi/janeiro 2018