Spring (Rosan)
SOBRE AMOR SUBLIME...
Para Benjamin Péret, um dos fundadores e animador permanente do movimento Surrealista, "Amor Sublime" é uma forma de amor que tenta buscar uma saída tanto à licença sexual gratuíta enquanto pseudo-liberdade sexual, quanto ao "Amor Romântico" (que sempre vem acompanhado de uma impossibilidade, um grande obstáculo), e ao "Amor-Burgûes", (o amor legal, institucionalizado, sancionado), as grandes vertentes na cultura Ocidental:
Nem fora da lei, nem dentro da lei...
Talvéz além da lei?
Apesar de curtas permanências no Brasil, Péret é pouco conhecido em nosso país. Ele aqui esteve no período entre 1929 e 1931 e também no verão de 1955 à primavera de 1956.
Elegeu o México como seu país de morada, escolhendo - já relativamente maduro - a artista plástica mexicana (pintora surrealista) Mercedes Varo como sua companheira de vida com quem, esperamos - ou melhor - gostamos de acreditar, viveu um amor sublime, tão bem cantado e com tanto ardor em sua pequena "Antologia do Amor Sublime"...
PRELÚDIO...
Amor (Rosan)
... Amor é o que se aprende no limite,
Depois de se arquivar toda a ciência herdada e ouvida...
Amor começa tarde...
(Carlos Drummond de Andade)
Verbo Sublimar: amar de forma sublime.
O amor sublime é sagrado, porém humano, terreno, não celeste, nem divino...
É uma sublimação alquímica que implica o mais alto grau de elevação, o ponto-limite onde se opera a conjunção de todas as sublimações,
o lugar geométrico onde o espírito, a carne e o coração vêm se fundir num
diamante inalterável...
O amor sublime sempre aparece como um sentimento que satisfaz a vida total da pessoa,
reconhecendo no ser amado a única fonte de felicidade.
O objeto de amor torna-se tão essencial ao coração quanto o ar à vida física.
A sexualidade sofre uma metamorfose assim que se inscreve num todo complexo de que o coração se torna o elemento catalizador. A sexualidade se dá por satisfeita que o coração lhe conceda um lugar em primeiro plano em tal composição, sendo que todos os mecanismos desta ação são controlados pelo próprio coração (não mais tão só pelo desejo e/ou pela genitalidade).
O amor sublime, uma vez encontrado o objeto de sua busca, fixa-se aí para sempre, ilustrando assim os conceitos chineses de yin e yang que, inoperantes um sem o outro, se atraem e se completam...
"O Céu e a Terra, unidos e juntos, o orvalho cai suave..." diz o Tao...
Com o amor sublime, o maravilhoso perde igualmente o caráter subrenatural, extra-terrestre ou celeste que sempre tivera em todos os mitos.
De alguma forma, ele volta à sua fonte para descobrir seu verdadeiro desembocar e se inscrever então nos limites da existência humana:
o amor sublime oferece uma via de transmutação, culminando no acordo da carne e do espírito, tendendo a fundí-los numa unidade superior onde um não possa ser distinguido do outro.
Com isto, o desejo vê-se encarregado de operar essa fusão, que é a sua justificativa última.
Disso decorre que o amor sublime opõe-se à religião, particularmente o Cristianismo, onde o cristão é chamado a divinizar, a amar o sobrenatural de forma divina ou celeste.
Em princípio, portanto, o amor sublime representa, acima de tudo,
uma subversão, uma revolta contra a religião e a sociedade...
É o "Grande Desejo" que une o Corpo ao Espírito,
muito tempo além da união dos corpos no "Pequeno Desejo".
Fora do amor sublime, a sublimação do desejo implica de alguma maneira a sua desencarnação,
já que, para obter satisfação, ele deve perder de vista o objeto terreno que o suscitou...
No amor sublime, longe de perder de vista a carne que lhe deu à luz, o desejo tende portanto, em definitivo, a erotizar o universo...
O amor sublime implica a mais completa liberdade sexual.
Hoje, porém, a liberdade sexual está, em muitos casos, dissociada do amor...
Em vez de multiplicar as possibilidades de eleição, esta liberdade sexual tão arduamente conquistada, levou à formação de um terreno de não-escolha.
A muralha dos preconceitos sexuais foi superada, porém ela dissimulava um terreno pantanoso antes insuspeitável, onde os seres correm o risco de se enterrar.
Em vez da ascensão à que o amor sublime convida, a licença sexual sem limites pode diminuir o ser humano, tanto quanto os tabús mais estreitos.
A liberdade sexual, enquanto licença sexual, é admitida e até incentivada por um mundo hostil ao amor e a qualquer liberdade real, posto que ela NÃO ameaça nem a estrutura da sociedade, nem seus ideais e desvia por um instante os homens de conquistas mais substanciais...
A licença sexual é inofensiva...
O que resta?
Resta a poesia e o amor, terrenos para sempre férteis de todos os mitos, que a religião tinha monopolisado e a ciência abandonado...
O amor, tanto na sua acepção mais elementar como na mais elevada,
permanece sendo o eixo da vida afetiva da humanidade.
A produção literária, teatral, cinematográfica mundial, em sua quase totalidade, trata do amor sob todas as suas formas.
E esta produção, digamos artística, adquire pela sua magnitude,
o sentido de uma reclamação geral: reclama-se portanto, do que se está privado...
A humanidade parece aspirar a uma forma de laço amoroso que lhe falta...
A sociedade dá livre curso a todas as formas de amor, salvo o amor sublime...
A sociedade opõe todos os vetos ao seu triunfo, posto que ele, o amor sublime, tende à própria desagregação da sociedade, revelando aos homens a felicidade apesar dela,
e de seus ideais materialistas, tecnológicos e consumistas.
Será preciso que um belo dia os homens se dediquem ao mesmo tempo a transformar as bases desse mundo e a melhorar suas condições para que a aspiração pelo amor sublime, até agora vaga e fugidia, encontre talvez condições favoráveis à sua plena realização...
Renunciar ao amor para caçoar dele em seguida
significa, apenas, a submissão ao conformismo social mais esterilizante possível.
Perde-se a graça de amar...
A poesia da vida, desponta como o lugar geométrico do amor e da revolta.
Detém uma parcela de poesia todo ser humano capaz de, espontaneamente, enxergar na vida cotidiana um instrumento a serviço de uma existência que vise a elevação do homem,
não sobre-humano, mas humano no pleno sentido da palavra.
Se o amor humano é sagrado, é que na realidade a noção mesma de sagrado decorre tão diretamente do amor que, sem ele, nenhum sagrado seria concebível. Só podem conhecer o amor sublime aqueles cujo coração tornou-se sensível a essa emanação do sagrado.
J. Hillman, ao falar sobre Eros/Amor e a Função Sentimento, considera Ero/Amor como a raiz arquetípica da Função Sentimento e o Sentimento como a manifestação de Eros/Amor no âmbito da consciência.
O Sentimento é humano, Eros/Amor é des-humano...
Só o Sentimento é um atributo individual da consciência, no tempo-espaço...
Talvez, ao longo de nosso caminho, possamos descobrir nossa própria capacidade humana, no pleno sentido da palavra, por tão limitada e finita que seja), de dar e receber amor?
Sem ter a pretensão de querer desvendar o Mistério Amoroso, fica o amor sublime como uma das formas possíveis, entre outras, de amor humano...
Rosanna Pavesi/Julho 2012
(Notas: Benjamin Péret, Amor Sublime, São Paulo, SP, Edit.Brasiliense). |
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