domingo, 26 de maio de 2013

ORFANATO PORTÁTIL, por Marcelo Montenegro...



A Árvore da Chuva (by Rosan)


ORFANATO PORTÁTIL
by Marcelo Montenegro

Fabiana Stambrio, colega e amiga, me "apresentou" este livro de poemas e...
foi amor à primeira, segunda e terceira vista...
Em tempos de profundidade superficial, uma profundidade profunda, singela,como toda verdadeira profundidade é, foi uma surpresa e um susto ao mesmo tempo...

No prefácio à primeira edição, Maurício Arruda Mendonça escreve:
...Visão poética e de vida, já que ele mantém a câmera do coração
 atenta aos acontecimentos que povoam de sentido o cotidiano.
Orfanato, por causa do desamaparo das coisas que um dia amamos
e perdemos pela existência afora, objetos que se acumulam na lembrança
como quinquilharias, bugigangas, tralhas,
"tranqueiras líricas na velha caixa de sapato"
A sensibilidade de Montenegro é a do carinho pelos detalhes,
porque ele busca o gosto de existir na celebração do momento presente,
porque deseja captar fenômenos efêmeros e registrá-los velozmente
antes que se desmanchem e sejam velados pelo esquecimento...
E aí a gente se dá conta de que os poemas de Montenegro não são poemas.
São verdadeiros fotogramas...

E Tadeu Sarmento acrescenta:
... Ler os poemas de Marcelo Montenegro é contrair a culpa moral por não ter percebido o que estava bem diante dos nossos olhos...

Foi bem assim que me senti...
Na tentativa de redimir a culpa, mesmo que só em parte, 
compartilho alguns poemas de Marcelo Montenegro...

(by A. Piza)

FISSURA

Passageiros da mesma fissura
eu e você
dentro do vento
Escondidos
no mesmo grão
de poeira

SUBSTÂNCIA

não há substância alguma na imagem que procuro
tampouco há discrição
ou dedos em riste
algumas músicas a gente nunca sabe se são alegres
ou se são tristes
do ponto exato
onde deram o nó


(by A. Piza)

MATINÉ

Às vezes saio do cinema
E me ponho a andar
Cartografias pessoas
Apenas olhar
Ter a leve impressão
De que a cidade  está grávida
De um outro lugar

SINOPSE

Canetas que falham ao lado do telefone.
O baque das havaianas na escadaria.
O labor sigiloso de um poema.
Um gemido de geladeira
nalgum ponto perdido do dia.
Um copo que nosso brusco
e cômico malabarismo
evitou que se quebrasse.


(by A. Piza)

ALGO

Na travessia de tardes degoladas
a suprema confusão
de algum sentido - ainda
ou para sempre tosco.
Algo em mim que eu nem suspeito
amadurece mais um pouco.

GUARDANDO A TRALHA

Repara. Há sempre algúem
guardando a tralha. Tremendo a foto.
Aprimorando a tara.
Há um deus maluco embaralhando
as cartas.Uma banana quase preta
na fruteira. E o último gole
de cerveja em lata.

(by A. Piza)

MAIS:
Marcelo Montenegro, Orfanato Portátil, 2.a ed.- São Paulo: Annablume, 2012.

(Rosanna Pavesi/Maio 2013)


quarta-feira, 15 de maio de 2013

SOBRE CÉU E CONSTELAÇÕES...

Noites Antigas (by Rosan)

CÉU NOTURNO...


"...O espetáculo do céu noturno estrelado...
O único equivalente do universo interior 
É o universo exterior...

E, assim, como atinjo este mundo através do corpo,
atinjo aquele através da psique...
(C.G. Jung)


O céu sempre foi uma das visões mais fascinantes para o homem e, em épocas passadas,
as estrelas eram figuras divinas, eram deuses...

Segundo os mitos, é do reino das estrelas que
nossa alma vem e para lá retorna após a morte.

Pense na história da astrologia, que se expandiu não só no Ocidente,
mas também na India, na China e em todas as civilizacções mais elevadas.
Os astros permitem que se prognostique o futuro não apenas de um indivíduo,
 mas também da humanidade inteira.

Na China, todo um grupo de astrólogos observava o céu dia e noite e relatava  ao imperador
os sinais percebidos, que eram interpretados no que se referia ao império chinês.
Analogamente, na Antiguidade, tudo era visto no céu...

As constelações no céu representam as constelações por trás dos grandes eventos históricos,
como se na profundeza do inconsciente não estivéssemos isolados,
mas de algum modo ligados ao conjunto da humanidade,
que sonha um sonho ininterrupto.

Olhar para o céu pode assim também se entendido como
 algúem olhando para as constelações mais profundas
não só de sua própria vida, mas também de nossa sociedade.

A palavra constelação vem de stella e portanto significa proximidade das estrelas,
a humanidade junto com as estrelas...

Não passamos de um grão de pó em algum canto do universo.
Se encararmos nossa vida através de padrões científicos e coletivos,
ela é totalmente transitória e pouco significa.

Mas se olharmos para dentro,
assim como olhamos para as estrelas,
podemos perceber que, no interior da diversidade cósmica,
temos uma missão única a realizar,
que é o que chamamos de sentido da nossa vida.

(Fonte: O Caminho dos Sonhos - Marie-Louise von Franz em Conversa com Fraser Boa, Cultrix, São Paulo, SP, 1988)

Boa viagem a todos, quer olhando para fora,
quer olhando para dentro...

Rosanna Pavesi/Maio 213





Constelações (by Rosan)

segunda-feira, 6 de maio de 2013

VER ATRAVÉS DA LUA...


La Luna (by Rosan)


VER ATRAVÉS DA LUA...







"Devia ser quase madrugada
Quando ele olhou para o firmamento
Como quem, na cidade,
Consulta o relogio...





Seus olhos ganharam brilho
Num agradecimento silencioso:





Só é olhado pelo céu
Quem olha para as estrelas...




(Mia Couto em O Outro Pé da Sereia)


Ver através da Lua é olhar para o céu, a noite...
É consultar outro relogio...

Rosanna Pavesi/Maio 2013

quarta-feira, 1 de maio de 2013

SONHOS: A VOZ DA MATÉRIA CÓSMICA.?


Starry Night (foto by Amanda Bellani)


Os sonhos sempre intrigaram a humanidade...
Consultamo-os, às vezes, como oráculos,
às vezes buscamos a interpretação derradeira, a única,
às vezes não lembramos,
às vezes não damos a menor importância...
MAS,
alí estão eles:
sempre nos desafiando,
com seu mistério,
com seu fascínio...



SONHOS: A VOZ DA MATÉRIA CÓSMICA?

(by Rosan)



MARIE-LOUISE VON FRANZ EM CONVERSA COM FRAZER BOA...

PERGUNTA: Se os sonhos são mensagens cuja função é informar a nossa consciência,
por que é que eles, às vezes, são tão obscuros?

RESPOSTA:

"Isso intriga a mim também.
Por que o sonho não nos diz claramente do que se trata?

A resposta que Jung dava é que o inconsciente não o faz porque obviamente não consegue...
Ele não fala a lingua da mente racional.

Os sonhos são a voz da nossa natureza instintiva e animal ou, em última análise,
 a voz da matéria cósmica em nós.

Trata-se de uma hipótese muito ousada, mas eu me aventuraria a dizer que
o inconsciente coletivo e a matéria atômica orgânica
com toda probabilidade são aspectos da mesma coisa.

Assim, em última instância, os sonhos são a voz da matéria cósmica...

Da mesma forma que, como leigos, não conseguimos compreender o comportamento dos átomos
(repare no dialeto chinês que os físicos modernos precisam usar
para descrever o comportamento de um elétron),
precisamos usar o mesmo tipo de linguagem para descrever
as camadas mais profundas do mundo onírico.

Os sonhos nos transportam para mistérios da natureza estranhos à nossa mente racional.
Podemos compará-los à física atômica,
na qual as mais complicadas fórmulas não são suficientes para descrever o que ocorre...".

(Fonte: O Caminho dos Sonhos - Marie-Louise von Franz em conversa com Fraser Boa, Cultrix, São Paulo, SP, 1988)


É uma possibilidade...
Porém não a única...
Vamo simplesmente ficar com os sonhos,
com estas visitações estrangeiras e dar-lhes hospitalidade?
Conversar com nossos visitantes?

Rosanna Paves/Maio 2013