domingo, 23 de março de 2014

AS VIRTUDES DO CARÁTER...

 
by A. Piza - Imagem web


AS VIRTUDES DO CARÁTER...

Em seu livro A Força do Caráter, (Objetiva, 2011), James Hillman dedica um capítulo (cap. 23) à exposição das virtudes do caráter, com a finalidade de definir a ideia de caráter.

Hillman escreve:

" 1. - A ideia de caráter depende da noção arquetípica de diferença. O caráter confirma, e até mesmo alardeia, o único, o singular, o peculiar. Como o caráter coloca a individualidade entre as marcas de diferença observáveis, a excentricidade torna-se necessária ao caráter.

2. - Os acontecimentos do corpo representam igualmente o caráter e não podem ser excluídos da investigação da psicologia do caráter. O caráter compreende a psique e o soma; o caráter é uma ideia psicossomática.

3. - O caráter é apresentável. Ele requer uma linguagem descritiva - adjetivos, como pão-duro, esperto, sistemático; advérbios, como devagar, cautelosamente, cuidadosamente - que transmita imagens e desperte sentimentos. Ao capturar o caráter com precisão e abrangência, a fala poética ultrapassa em muito a linguagem da ciência behaviorista.

4. - O caráter é um punhado de características. Como a ideia de caráter desafia simplificações, um estudo do caráter pede um tipo complexo de inteligência. Ele estuda a justaposição de camadas como uma imagem poética ou pintada e abandona a busca de um centro unificador.

5. - O caráter é perceptível como imagem. Está sempre exposto, como estilo, hábito, gesto, disposição, constituição, postura, expressão, presença. O rosto revela o caráter e dirige-se ao caráter. Como imagem, o caráter precisa ser imaginado além de percebido.

6. - O caráter sempre se distinguiu do talento, da habilidade, dos dons, das capacidades mensuráveis. Ele pode ser aleijado por deficiências e encurralado em fixações, enquanto talento e habilidades exibem brilhantismo. O caráter não cede a medidas de desempenho padronizadas. A singularidade característica de um estilo escapa da análise.

7. - O caráter também escapa da amarra moral. Ele não se revela na moralidade do comportamento, mas no seu estilo. Os traços de caráter incluem vícios e virtudes. Esses NÃO definem o caráter; o caráter os define. A perseverança ou a lealdade podem instigar um ato criminoso assim como um ato de bondade; a amizade pode motivar vingança ou renúncia. A abrangência imaginativa do caráter não pode ser  imprensada dentro de uma definição ética sem perverter sua natureza e esterilizar a sua fecundidade. 

8. - Ao contrário da personalidade, o caráter é impessoal. O discurso da personalidade é a psicologia humana; o discurso do caráter é a descrição imaginativa.

9. - Acontece com o eu o mesmo que com a personalidade. O eu é reflexivo, apontando de volta para o sujeito, fundindo-o ao seu rival abstrato, o ego. O eu se resume às pessoas: não falamos do eu de um cavalo, um pinheiro ou um promontório, no entanto sentimos o caráter definido de cada um.

10. - A singularidade leva o caráter para além do temperamento e do tipo.

11. - O caráter deixa traços na história política. Como determinante do rumo dos acontecimentos humanos, o caráter liga a psicologia à sociedade, afastando a psicologia de sua subjetividade obsessiva.

12. O caráter reintroduz o Destino na psicologia. As substituições do caráter eliminaram essa antiga ligação. Ego, personalidade, eu, agente, indivíduo reduzem a psicologia ao estudo do comportamento humano - processos, funções, motivações - e omitem as inevitáveis consequências que a ideia de caráter implica. 
A psicologia despojada do destino é superficial demais para abordar seu assunto, a alma.

13. - O caráter é para a velhice o que o chamado do daimon é para a juventude.
 Ele dá sentido e propósito às mudanças do envelhecimento.
O caráter é uma ideia terapêutica...

E o que resta?
O que resta é o pedaço de destino que o caráter único de cada pessoa personifica..."


A noção de bom caráter X mau caráter, atrelada quase que exclusivamente à amarra moral torna-se assim de certa forma acanhada e redutiva, para definirmos a ideia de caráter...
O que Hillman propõe é uma visão imaginativa do caráter também como estilo estético, gostos individuais, comportamentos e traços individuais, a imagem que fica da pessoa, seu modo único de agir, suas esquisitices e excentricidades...

Se, seguindo Hillman,  a velhice requer coragem e curiosidade,
o carátertambém  necessita desses anos adicionais para confirmar-se e realizar-se...

Rosanna Pavesi/Março 2014

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