quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Agressividade - Crueldade - Maldade e... Tolerância


A Pérola do Amor - Rosan
 

Agressividade

"... permitam-me uma pequena digressão: um dos termos mais maltratados da psicologia do século (sec. XX)  é "agressividade"; o abuso que dele se faz é suficientemente convincente. Até nos dias recentes, as idéias referentes à agressão provenientes dos estudos da conduta animal, da antropologia, etc. nos dizem que o homem tem uma agressividade instintiva como a dos animais.

De acordo com essas idéias, o que falha no homem é que os chamados complexos primitivos aparecem no "homem civilizado"e se apoderam dele, colocando-o fora de controle.
Isto, em tom de reprovação e com certa hipocrisia, é projetado sobre o homem primitivo que todos levamos dentro em alguma parte. Todo tipo de teorias têm sido elaboradas a este respeito, até a do velho cerébro e a do novo cérebro. Sem dúvida, hoje em dia, os novos livros sobre evolução nos oferecem idéias mais psicológicas e sofisticadas, mais adequadas ao espírito de nossos tempos.

Se o homem só possui uma agressividade instintiva, então esta poderia estar contida na ecologia de seus instintos.
Porém, a coisa é mais complexa. A agressividade no chamado homem primitivo, que sabe mais ou menos como manejá-la, não nos serve para explicar e muito menos aceitar o que nos oferece o mundo atual.
Através dos testemunhos da história, o que chamamos de agressividade no homem parece que surgiu de seus conflitos colturais, uma expressão de sua ansiedade cultural.

E se os livros recentes sobre evolução apresentam a agressividade primitiva como algo mais do que instinto, um produto da cultura, então não resta nada a comparar com o chamado "homem civilizado", o qual, aplicada a ele, a palavra agressivo já não tem validade, está fora de contexto; poder-se-ia dizer que simplesmente não é suficientemente forte.
Então, já que a agressividade se vive no nível primitivo, para o homem civilizado, com seu excesso de conflito cultural, prefiro utilizar a palavra crueldade."

Crueldade

(...) "Ao aceitar o termo junguiano de sombra como campo de exploração, a psicologia profunda deve incluir a crueldade, um subproduto da cultura e da civilização, como elemento essencial da sombra.

Considero a crueldade como algo suficientemente acessível para ser mantida dentro de nossa consciência diária: a crueldade é cultural, e nela jaz a possibilidade de tornar-se psíquica. É como se a história mudasse constantemente nossa visão deste ponto.
É impossível ter hoje em dia a mesma visão desta característica humana que se tinha há cinquenta anos ou 100 anos: a crueldade está crescendo (grifo nosso). Historicamente falando, Jung e seus seguidores e colaboradores trabalharam sobre esta parte da natureza humana em termos de maldade. Eles a consideraram principalmente dentro da tradição religiosa das polaridades do bem e do mal, ou do mal como parte de nossa natureza com a qual não podemos lidar e, por isso, temos de rechaçar.

(...) Porém, para nossa sobrevivência pessoal, para a proteção de nossas almas, a crueldade é o nível sobre o qual devemos nos concentrar (grifo nosso). É nossa preocupação mais imediata, um aspecto demasiadamente evidente de nossa vida cotidiana, do mundo e de nossa prática psicoterapêutica, onde estamos acostumados a ver a crueldade dissimulada nos diagnósticos e tratamentos psiquiátricos.
A crueldade é um elemento de nossa constante ansiedade cultural. Todos somos cruéis em alguma parte. (...) Estamos bem longe dos tempos socráticos, quando, apesar da crueldade, o interesse era Eros. Borges foi muito explícito ao dizer que se pode conhecer tudo, até se pode ser um grande poeta, mas se não se conhece a crueldade não se sabe de nada. (grifo nosso)

Para resumir, com estas três facetas da natureza humana, estamos tratando de diferenciar o que pertence à parte mais obscura da sombra. A agressividade é uma atitude instintiva que aparece nos conflitos do homem primitivo e, assim mesmo, no nível primitivo da psique e de nossos complexos. A crueldade é um produto do homem civilizado e surge de sua ansiedade cultural. Certamente, a agressividade e a crueldade podem coincidir. E, por último, nos estudos de religião e filosofia ocidental, a maldade permanece dentro das polaridades do bem e do mal e este último, em psicologia junguiana, é a parte de nossas natureza que não podemos assimilar e temos de rechaçar. "

Tolerância

(...) "A ansiedade cultural é minha maneira de refletir sobre o conflito histórico entre o monoteísmo e os numerosos paganismos do mundo ocidental. A ansiedade cultural pode ser vista de muitas outras maneiras, e suponho que cada indivíduo tem sua própria maneira de aceitar e refletir essa ansiedade.Não é difícil pensar que o conceito de si-mesmo de Jung foi sua maneira de conter o Uno e os muitos.

Mas, como alguém que aprendeu dos ensinamentos de Jung, eu diria quanto a isso que seguir as pegadas da própria individuação é o que realmente vale. Pessoalmente, sinto que, no mundo em que vivemos, a tolerância, como entendimento e convivência é básica.

Todavia, também estou consciente de que dentro de mim existem elementos com tendência à tolerância e elementos que pertencem à intolerância, e tenho de sofrer a ansiedade gerada por esses dois opostos e experimentar o desafio de tratar de tolerar em mim o que, de per si, é intolerante". (grifo nosso)

(Fonte: Rafael López-Pedraza, "Ansiedade Cultural" em Rafael López-Pedraza,  Ansiedade Cultural, pp.57-59 e p. 64,  (São Paulo: Paulus, 1997).

A crueldade pode ter sua poética e sua estética mas, a meu ver, continua cruelmente cruel. De forma que acolher o desafio que López-Pedraza propõe no final do texto transcrito acima, é essencial,  por tão intolerável que nos pareça lidar com o intolerante em nos...

Rosanna Pavesi
setembro 2011

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