sábado, 26 de novembro de 2011

SOBRE RESILIÊNCIA


A Árvore da Vida - Rosan


RESILIÊNCIA:
UM CONCEITO POR MUITO TEMPO IGNORADO...
 
Resiliência é um conceito ainda relativamente novo e pouco conhecido.  Os artistas e filósofos expressaram e expressam frequentemente as profundezas do humano bem antes que os cientistas. Traços de resiliência podem ser encontrados na história da arte, na religião e na literatura.

Resiliência deve ser compreendida, pelo lado prático, como a integração de dois elementos:
  •  a atitude de resistir à destruição, isto é, preservar a integridade em tempos difíceis,
  • a atitude de reagir positivamente, apesar das dificuldades.
Para a ciência: resiliência é o poder ou a habilidade de uma substância retomar sua forma original depois de danificada por alguma razão (torcida, amassada, puxada ou empurrada).

Pessoas resilientes têm esse mesmo poder ou habilidade. As vicissitudes da vida podem abatê-las ou elas podem magoar-se com pessoas ou acontecimentos; entretanto, retomam rapidamente sua integridade, quando não se tornam mais fortes e mais resistentes.



RESILIÊNCIA NÃO É:

Sobrevivência
Muitas pessoas que sobrevivem a desastres naturais e pessoais, fracassos, divórcio, são confundidas com resilientes. O fato de aparentemente estarem bem não garante que internamente se dê o mesmo; elas podem tornar-se ambivalentes em relação à vida.

Comportamento despreocupado
O indivíduo despreocupado parece ter muito mais em comum com as pessoas que não assumem riscos e simplesmente se escondem com medo da vida,  do que com os resilientes. Ao avaliar como lida com os riscos, este tipo perde.

Residir no passado
Gastar muito tempo com o passado não é um comportamento resiliente, mesmo que se trate de analisar ou compreender esse passado. Evocá-lo é um instrumento adequado, se for  um meio de compreender o presente e influenciar positivamente o futuro.



 Pessoas resilientes têm padrões de resposta que revelam componentes emocionais e comportamentais, componentes esses que funcionam como "os músculos" condicionados da resiliência.
Indivíduos resiliêntes não  se deixam dominar pela raiva, ou pelo medo e especialmente pelas dúvidas que os angustiam. Eles não são ambivalentes com a vida, que nunca precisa ser renegociada ou reconsiderada.



RESILIÊNCIA É:

OS DEZ COMPONENTES DA RESILIÊNCIA

1. - Comprometimento não ambivalente com a vida - A característica comum e fundamental das pessoas resilientes é a crença transcendente que lhe dá paixão e coragem para voltar sempre. Elas não perdem tempo questionando se a vida vale ou não vale a pena ser vivida. Elas creêm  que vale!

2. - Autoconfiança - Resilientes compreendem o mundo que os cerca, estabelecem metas realistas nesse mundo e desenvolvem as capacidades necessárias para alcançar seus objetivos. É essa confiança que lhes dá força psicológica para lutar por suas aspirações sem nunca perder o senso de integridade. Os problemas e mudanças que a vida lhes apresenta são como oportunidades para que crescam e aprendam, não as ameaçam  ou ferem e não devem ser evitadas ou delegadas a ninguém mais.

3. - Adaptabilidade - Pessoas adaptáveis alteram seus hábitos pessoais e profissionais quando necessário. Tendem a ser cooperativas e evocam respostas positivas das pessoas a seu redor.

4. - Desembaraço - Pessoas resilientes são cientes dos recursos para a solução de problemas e onde encontrá-los. Sabem como e quando procurar a ajuda de familiares, amigos, colegas, instituições educacionais e outros.São criativas e inventivas na medida em que se servem dos recursos para resolver problemas.

5. - Disposição para arriscar - Nem sempre é possível antever o resultado de uma ação ou de um comportamento, particularmente em situações complexas. Por essa razão, muitas vezes uma ação ou uma decisão são arriscadas. A pessoa resiliente nem sempre age "com segurança", mas assume riscos inteligentes, centrados em possibilidades reais e bastante chance de sucesso.

6. - Aceitação de responsabilidade pessoal - Indivíduos resilientes são muito bem fundamentados filosófica e psicologicamente, na sua autodeterminação. Nunca se dispõem ao papel de vítimas. Se erram, assumem e transformam os erros em experiências de aprendizado.

7. - Perspectiva - Os resilientes sabem o que é e o que não é importante. Investem sua energia em tentativas sérias. Muito frequentemente são dotados de bom senso de humor, que usam para aliviar a dor e a tensão em situações de conflito. 

8. - Abertura a novas idéias - Os resilientes absorvem com avidez e sem preconceito novas informações: investigam, avaliam, selecionam e estocam as novas informações para o futuro. Estão sempre abertos a tudo que possa incrementar sua capacidade de aprender e adaptar-se.

9. - Disposiçao a ser proativo - A resiliência é mais proativa que reativa. Os resilientes determinam mudanças com ação positiva, sem esperar que o único recurso possível seja a reação a ações já desencadeadas por outros. Nada se paralisa por medo do desconhecido, da confusão, das crenças inflexíveis ou da convicção de que "nada pode ser feito". Tudo pode funcionar num sentido de ação orientada.

10. - Atenção - Pessoas resilientes prestam atenção ao mundo ao seu redor e sempre consideram as outras opiniões. Ouvem-nas com muita atenção. Traçam o plano de ação que contemple todas as perspectivas além de sua própria.



ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS...

A resiliência não é um tapete mágico...
Às vezes os resilientes podem achar o processo de crescimento e aprendizagem bastante desonfortável; entretanto, estão sempre dispostos a tolerar o desconforto por um certo período de tempo para alcançar seus objetivos a médio e longo prazo.

A resiliência é um resultado...
Alguns dos fatores que contribuem para a resiliência  devem ser levados em consideração:

Não idealizar a resiliência:  ela não é uma panaceia...

Verificar, em cada contexto, o significado concreto dos fatores que contribuem para a resiliência: ela se constroi de forma diferente em cada quadro socio cultural

Cultivar a resiliência: ela nunca é absoluta. 

Pessoas resilientes não estão imunes ao estresse: elas somente são capazes de controlar o próprio caminho e o próprio tempo num grau maior que os não-resilientes.As pessoas resilientes controlam melhor as passadas para evitar desgaste desnecessário.

NÃO SERIA POIS O DESGASTE SENÃO PERDA DE RESILIÊNCIA?





NOTAS:
Tessa Albert Warschaw, - Resiliency, (New York/USA, Editora Mastermedia, 1996)

Já lançado em português (16/11/2011):

Org.: Ceres A. Araujo, Maria A. Mello, Ana Maria G. Rios, - Resiliência - Teoria e Prática de Pesquisa em Psicologia, (São Paulo, SP, Editora Ithaka, 2011).

Imagens-  Fonte: Google




Rosanna Pavesi/Nov. 2011

domingo, 13 de novembro de 2011

CLARICE LISPECTOR: POEMAS E IMAGENS...

Blue Moon - Rosan


APRENDENDO A VIVER...


Uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de.
Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar.
Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes
é o próprio apesar de que nos empurra para a frente.

Não nos temos entregues a nós mesmos, pois isso
seria o começo de uma vida larga e nos a tememos.

Vou continuar, é exatamente da minha natureza
nunca me sentir ridícula, eu me aventuro sempre,
entro em todos os palcos.

... E quando acaricio
a cabeça de meu cão - sei que ele não exige
que eu faça sentido ou me explique.

Gosto e preciso de ti
Mas quero logo explicar
Não gosto porque preciso
Preciso, sim, porque gosto
(Clarice Lispector - Aprendendo a Viver, (Rio de Janeiro, RJ, Editora Rocco,2005)





Se você gosta de Clarice Lispector, acesse também a Página permanente  "Poesia e Prosa" no topo do blog. Lá você encontrará outros poemas de Clarice, Drummond, Rilke e outros...


Rosanna Pavesi

sábado, 5 de novembro de 2011

A OUVIRTUDE...

Pote Partido - Rosan



SOBRE "OUVIRTUDE"...
(baseado em um artigo antigo de Arthur da Távola)



Uma das grandes questões da comunicação - tanto de massa como interpessoal - consiste em descobrir como  e o que o outro ouve, se é que houve...

A mesma frase pode permitir diferentes níveis de compreensão e entendimento. Raras, bastante raras, são as pessoas que procuram ouvir exatamente o que o outro está dizendo, ou tentando dizer.


Eis algumas considerações sobre o tema:


  • Em geral, quem escuta, não ouve o que o outro fala...O que ele ouve então?  Ele:
                           - ouve o que o outro não está dizendo,
                           - ouve o que quer ouvir, 
                           - ouve o que já escutara antes, o que já lhe é  familiar e conhecido,
                           - ouve o que imagina que o outro iria  ou irá falar,
                           - ouve o que gostaria de ouvir,
                           - ouve o que ele gostaria que o outro dissesse,
                           - ouve apenas o que ele próprio está sentindo,
                           - ouve o que ele já pensava a respeito daquilo que ouve,
                           - ouve o que confirma ou rejeita o seu próprio pensamento: ou seja, transforma quem fala
                              em objeto de concordancia ou discordância,
                           - ouve apenas os pontos que possam fazer sentido para as idéias e visões que o estejam
                              influenciando ou emocionando no momento.

  • Numa discussão, salvo raros casos, as partes não ouvem o que o/s outro/s estão falando: cada um deles ouve o que ele próprio está pensando, para dizer em seguida.

  • Quem escuta não ouve o que o outro fala: ele retira da fala apenas as partes que tenham a ver consigo mesmo e que concordem, emocionem, agradem ou molestem.

Vai ficando claro como é raro e difícil conversar...Como é raro e difícil se comunicar!
O que há, na maioria das vezes, são monólogos simultâneos em guisa de conversa, ou monólogos paralelos em guisa de diálogo.O próprio diálogo pode haver sem que, necessariamente, haja comunicação.

A verdadeira comunicação só pode se dar quando ambos os polos ouvem-se, não somente no sentido material de "escutar", mas principalmente no sentido de realmente procurar entender em sua extensão e profundidade o que o outro está dizendo.

Ouvir, portanto, é uma arte: é necessário limpar a mente de todos os ruidos e interferências do próprio pensamento durante a fala alheia. O filtro do preconceito não está na mente e sim no ouvido.

Ouvir implica numa entrega ao outro, numa diluição nele. Daí a dificuldade de as pessoas inteligentes efetivamente ouvirem. A inteligência em funcionamento, o hábito de pensar, avaliar, julgar e analisar, interferem como ruido na recepção plena do que vem de fora. E mesmo de dentro... Ouvir-se é tão raro   e difícil quanto ouvir ao outro...

Não é só a inteligência a atrapahar; outros elementos perturbam o ouvir. Um deles é o mecanismo de defesa... Há pessoas que se defendem de ouvir o que o outro está dizendo por medo de se perderem a si mesmas, medo de perder suas "verdades absolutas" frequentemente recém-conquistadas, seus pontos de referência que oferecem segurança. Elas precisam "não ouvir" porque "não ouvindo" livram-se da retificação dos próprios pontos de vista, da aceitação de realidades e verdades diferentes das próprias. Essas pessoas tentam livrar-se do novo, que é saúde, mas que assusta. Não ouvir é, pois, um sólido mecanismo de defesa: aquilo que não é ouvido, não existe...  

Ouvir implica em  presença: estar presente para si mesmo e para o outro é  um desafio de abertura interior e de abertura em direção ao próximo, troca, compartilhamento, confiança mútua, comunhão...Como Arthur da Távola costumava dizer: " Ouvir é proeza e virtude. Deveria haver a palavra 'ouvirtude'Ouvir é raridade, até sabedoria, pois é só depois que se aprende a ouvir que a sabedoria começa. Descobre-se então o que os outros estão dizendo a propósito de falar...".


Já passei pela experiência de monólogos e diálogos paralelos diversas vezes e sempre me senti humilhada ao perceber que não estava sendo ouvida...Antes eu costumava me perguntar se eu não estava sendo clara ou se minha conversa era de tal forma desinteressante ao ponto de aborrecer meu interlocutor... Hoje, já não ligo mais, encerro a conversa.


No consultório,  procuro estar presente e disponível para o outro da forma mais plena possível, que inclui ouvir o outro de forma atenta e diferenciada, mas isso não é nehuma virtude, nem sabedoria ainda: é o que norteia meu trabalho, é minha obrigação profissional mínima e um hábito treinado e adquirido ao longo do tempo. Um genuino interesse e empatia para com a pessoa que está sentada à minha frente e está me dando um voto de confiança, de que será vista, ouvida, levada a sério... Há  4 H's (como eu carinhosamente os apelidei) que norteiam meu trabalho: humanidade, honestidade, humildade e uma pitada de humor...

Impossível me desfazer disso quando não estou trabalhando... assim, sempre procuro estar presente, atenta e disponível quando alguém quer conversar, para que não aconteça com o outro aquilo que já aconteceu comigo: de se sentir "não ouvida", não levada em consideração... E tenho também notado o quanto é grande a necessidade das pessoas em geral de serem realmente e de fato ouvidas quando falam...

Então, vamos todos treinar um pouco mais a "ouvirtude" em nossas vidas?


Rosanna Pavesi