sábado, 5 de novembro de 2011

A OUVIRTUDE...

Pote Partido - Rosan



SOBRE "OUVIRTUDE"...
(baseado em um artigo antigo de Arthur da Távola)



Uma das grandes questões da comunicação - tanto de massa como interpessoal - consiste em descobrir como  e o que o outro ouve, se é que houve...

A mesma frase pode permitir diferentes níveis de compreensão e entendimento. Raras, bastante raras, são as pessoas que procuram ouvir exatamente o que o outro está dizendo, ou tentando dizer.


Eis algumas considerações sobre o tema:


  • Em geral, quem escuta, não ouve o que o outro fala...O que ele ouve então?  Ele:
                           - ouve o que o outro não está dizendo,
                           - ouve o que quer ouvir, 
                           - ouve o que já escutara antes, o que já lhe é  familiar e conhecido,
                           - ouve o que imagina que o outro iria  ou irá falar,
                           - ouve o que gostaria de ouvir,
                           - ouve o que ele gostaria que o outro dissesse,
                           - ouve apenas o que ele próprio está sentindo,
                           - ouve o que ele já pensava a respeito daquilo que ouve,
                           - ouve o que confirma ou rejeita o seu próprio pensamento: ou seja, transforma quem fala
                              em objeto de concordancia ou discordância,
                           - ouve apenas os pontos que possam fazer sentido para as idéias e visões que o estejam
                              influenciando ou emocionando no momento.

  • Numa discussão, salvo raros casos, as partes não ouvem o que o/s outro/s estão falando: cada um deles ouve o que ele próprio está pensando, para dizer em seguida.

  • Quem escuta não ouve o que o outro fala: ele retira da fala apenas as partes que tenham a ver consigo mesmo e que concordem, emocionem, agradem ou molestem.

Vai ficando claro como é raro e difícil conversar...Como é raro e difícil se comunicar!
O que há, na maioria das vezes, são monólogos simultâneos em guisa de conversa, ou monólogos paralelos em guisa de diálogo.O próprio diálogo pode haver sem que, necessariamente, haja comunicação.

A verdadeira comunicação só pode se dar quando ambos os polos ouvem-se, não somente no sentido material de "escutar", mas principalmente no sentido de realmente procurar entender em sua extensão e profundidade o que o outro está dizendo.

Ouvir, portanto, é uma arte: é necessário limpar a mente de todos os ruidos e interferências do próprio pensamento durante a fala alheia. O filtro do preconceito não está na mente e sim no ouvido.

Ouvir implica numa entrega ao outro, numa diluição nele. Daí a dificuldade de as pessoas inteligentes efetivamente ouvirem. A inteligência em funcionamento, o hábito de pensar, avaliar, julgar e analisar, interferem como ruido na recepção plena do que vem de fora. E mesmo de dentro... Ouvir-se é tão raro   e difícil quanto ouvir ao outro...

Não é só a inteligência a atrapahar; outros elementos perturbam o ouvir. Um deles é o mecanismo de defesa... Há pessoas que se defendem de ouvir o que o outro está dizendo por medo de se perderem a si mesmas, medo de perder suas "verdades absolutas" frequentemente recém-conquistadas, seus pontos de referência que oferecem segurança. Elas precisam "não ouvir" porque "não ouvindo" livram-se da retificação dos próprios pontos de vista, da aceitação de realidades e verdades diferentes das próprias. Essas pessoas tentam livrar-se do novo, que é saúde, mas que assusta. Não ouvir é, pois, um sólido mecanismo de defesa: aquilo que não é ouvido, não existe...  

Ouvir implica em  presença: estar presente para si mesmo e para o outro é  um desafio de abertura interior e de abertura em direção ao próximo, troca, compartilhamento, confiança mútua, comunhão...Como Arthur da Távola costumava dizer: " Ouvir é proeza e virtude. Deveria haver a palavra 'ouvirtude'Ouvir é raridade, até sabedoria, pois é só depois que se aprende a ouvir que a sabedoria começa. Descobre-se então o que os outros estão dizendo a propósito de falar...".


Já passei pela experiência de monólogos e diálogos paralelos diversas vezes e sempre me senti humilhada ao perceber que não estava sendo ouvida...Antes eu costumava me perguntar se eu não estava sendo clara ou se minha conversa era de tal forma desinteressante ao ponto de aborrecer meu interlocutor... Hoje, já não ligo mais, encerro a conversa.


No consultório,  procuro estar presente e disponível para o outro da forma mais plena possível, que inclui ouvir o outro de forma atenta e diferenciada, mas isso não é nehuma virtude, nem sabedoria ainda: é o que norteia meu trabalho, é minha obrigação profissional mínima e um hábito treinado e adquirido ao longo do tempo. Um genuino interesse e empatia para com a pessoa que está sentada à minha frente e está me dando um voto de confiança, de que será vista, ouvida, levada a sério... Há  4 H's (como eu carinhosamente os apelidei) que norteiam meu trabalho: humanidade, honestidade, humildade e uma pitada de humor...

Impossível me desfazer disso quando não estou trabalhando... assim, sempre procuro estar presente, atenta e disponível quando alguém quer conversar, para que não aconteça com o outro aquilo que já aconteceu comigo: de se sentir "não ouvida", não levada em consideração... E tenho também notado o quanto é grande a necessidade das pessoas em geral de serem realmente e de fato ouvidas quando falam...

Então, vamos todos treinar um pouco mais a "ouvirtude" em nossas vidas?


Rosanna Pavesi

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