domingo, 20 de outubro de 2013

O CANTO DAS SEREIAS...


(sem título)


O CANTO DAS SEREIAS...

Quem é tão firme que nada possa seduzir?
O canto das sereias é uma imagem que remonta às fontes da mitologia e literatura gregas.
As versões e os detalhes da narrativa variam de autor para autor,
mas o sentido da trama é comum...

As sereias eram criaturas sobre-humanas:
ninfas de extraordinária beleza e de magnetismo sensual.
Viviam sozinhas numa ilha do Mediterrâneo, mas tinham o dom de chamar a si os navegantes,
graças ao irresistível poder de sedução do seu canto.
Atraidos pela melodia divina, os navios costeavam a ilha,
batiam nos recifes submersos da beira-mar e naufragavam...
As sereias então devoravam impiedosamente os tripulantes.
O litoral da ilha era um gigantesco cimitério marinho no qual estavam atulhadas
as incontáveis naus e ossadas tragadas por aquele canto sublime desde o início das eras.

Doce o caminho, amargo o fim...
Muitos tentaram, mas pouquíssimos conseguiram salvar-se.
A literatura grega registra duas  soluções vitoriosas:

(1) Uma delas foi a saída encontrada por Orfeu,
o incomparável gênio da música e da poesia na mitologia grega:
Quando a embarcação na qual ele navegava entrou inadvertidamente no raio de ação das sereias, ele conseguiu impedir que a tripulação perdesse a cabeça
tocando uma música ainda mais doce e sublime do que aquela que vinha da Ilha...

(2) A outra solução foi a encontrada e adotada por Ulisses no poema homérico.
O heroi da Odisséia, que não era dotado de talento artístico sobre-humano,
no momento em que a embarcação que comandava começou a se aproximar da ilha,
mandou que todos os tripulantes tapassem os próprios ouvidos com cera
e ordenou que amarrassem-no ao mastro central do navio.
Avisou ainda que, se por acaso ele exigisse que o soltassem dalí, o que deveriam fazer
era prendê-lo ao mastro com mais cordas e redobrada firmeza.
Quando chegou a hora, Ulisses foi seduzido pelas sereias mas seus subordinados souberam
 - contudo - cumprir fielmente sua ordem.
Ulisses, é verdade, por pouco não enloqueceu de desejo mas as sereias,
desesperadas diante daquela derrota para um simples mortal, afogaram-se de desgosto no mar...

Orfeu escapou das sereias como divindade...
Ulisses como mortal...

Ulisses não tampou seus próprios ouvidos com cera, ele quis ser seduzido, ele quis ouvir...
Ulisses não se furtou à experiência de ouvir e desejar desperadamente
aquilo que o levaria ao naufrágio e à morte certa.
A verdadeira vitória de Ulisses foi contra ele mesmo...

O embate entre Ulisses e as sereias dramatiza e dá proporções épicas
a um conflito que acompanha a nossa prosaica odisséia pela vida.
Preferir o que quer que esteja presente em relação ao que está distante e remoto,
que nos faz desejar os objetos mais de acordo com a gratificação imediata
do que com o seu valor intrínseco...

A toda hora, a cada instante, em cada esquina, em cada shopping, em cada publicidade,
há um canto de sereia esperando, de pequenas ou grandes proporções...
Saberemos discernir quando dizer "sim" e quando dizer "não"?


Rosanna Pavesi/Outubro 2013

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