Fonte: WEB
SOBRE "AQUILO QUE BASTA"...
Vou começar relatando um pequeno conto popular, conhecido como
" O CONTO DA VAQUINHA..."
"Era uma vez um sábio chinês e seu discípulo.
Certo dia, em suas andanças, avistaram um casebre de extrema pobreza,
onde viviam um homem, uma mulher, três filhos pequenos e uma vaquinha magra e cansada.
Com fome e sede, o sábio e o discípulo pediram abrigo e foram atendidos.
O sábio perguntou como conseguiam sobreviver em tamanha pobreza e longe de tudo.
"O senhor vê aquela vaca ?" - disse o homem- "dela tiramos todo o sustento.
Ela nos dá leite, que em parte bebemos e em parte transformamos em queijo e coalhada.
Quando sobra, vamos à cidade e trocamos por outros alimentos.
É assim que vivemos..."
O sábio agradeceu a hospedagem e partiu com o discípulo.
Nem bem fizeram a primeira curva, o sábio disse ao discípulo:
"Volte lá, pegue a vaquinha, leve-a até o precipício lá em frente e atire-a lá embaixo".
O discípulo não acreditou...
"Mas mestre" - disse ele - "eu não posso fazer isso! Como pode ser tão ingrato?
A vaquinha é tudo que eles têm. Se a vaca morrer, eles morrem também!"
O sábio, como convém aos sábios chineses, respirou fundo e repetiu a ordem.
Indignado, porém resignado, o discípulo então voltou lá, pegou a vaquinha
e a empurrou no precipício.
A vaca, como era de se prever, estatelou-se lá embaixo.
Alguns anos se passaram e o discípulo sempre com remorso...
Num certo dia, moído pela culpa, abandonou o sábio e decidiu voltar àquele lugar
para pedir desculpas e ajudar aquela família.
Ao fazer a curva, não acreditou no que seus olhos viram!
No lugar do casebre desmazelado havia um sítio maravilhoso,
com arvores, piscina, carro, antena parabólica e outros sinais de prosperidade.
Perto da churrasqueira havia adolescentes lindos, robustos e saudáveis
comemorando alguma data especial. O coração do discípulo tremeu...
Ele pensou: "de certo, vencidos pela fome, os antigos moradores foram obrigados
a vender a posse e ir embora...
Devem estar mendigando na rua..."
Aproximou-se do caseiro e perguntou se ele sabia o paradeiro da família que havia morado lá.
"Claro que sei" - disse o caseiro - "Você está olhando para ela!"
Incrédulo, o discípulo afastou o portão, deu alguns passos e reconheceu o mesmo homem de antes,
só que mais forte, ativo, a mulher mais feliz e as crianças agora jovens saudáveis.
Espantado, dirigiu-se ao homem e disse:
"Mas o que aconteceu? Estive aqui com meu mestre alguns anos atrás
e este era um lugar miserável, não havia nada...
O que o senhor fez para melhorar de vida em tão pouco tempo?"
O homem olhou para o discípulo, sorriu e respondeu:
"Nós tínhamos uma vaquinha como nossa única fonte de sustento.
Era tudo que possuíamos, mas um dia ela caiu no precipício e morreu...
Para sobreviver, tivemos que fazer outras coisas, desenvolver habilidades que nem sabíamos possuir.
E foi assim, buscando novas soluções, que hoje estamos muito melhor que antes!"
Só então o discípulo compreendeu que o sábio foi sábio e não cruel
como lhe pareceu a primeira vista..."
Moral da história...
Às vezes é preciso "deixar a vaca ir pro brejo"
tanto literalmente quanto metaforicamente ...
Porque é sempre a necessidade que nos move, que nos obriga a sermos criativos
e a encontrarmos soluções para os dilemas e impasses que a vida propõe.
Muitas vezes, é preciso sair da acomodação, da zona de conforto,
parar de "segurar a vaquinha pelo rabo para ela não cair no precipício",
buscar novos caminhos e trabalhar com amor, afinco e determinação...
O que vem a ser a "vaquinha magra e cansada" em cada um de nos?
A "vaquinha" pode ser um paradigma mental arraigado,
uma falsa crença, uma atitude equivocada,
um padrão automático de resposta que nos leva a privilegiar "o seguro" - mesmo que não baste -
ou "o certo" mesmo que não seja o suficiente, nem o desejável - sem questionar -
por acreditarmos que, no fundo, não temos escolha...
Certa aceitação conformada, uma falsa humildade,
um excesso de bom senso ou conservadorismo que pode vir a afetar diversas esferas da vida
e que se dissimula atrás de reflexões do tipo:
"não o amo, mas é um bom homem...",
ou "este emprego paga mal, mas é seguro...",
ou ainda "não é aquilo que gostaria de fazer, mas paga bem..."
e assim por diante.
Se nos permitirmos parar por um instante e pensar sobre o assunto,
é quase certo que cada um de nos saberá reconhecer sua
"vaquinha magra e cansada"...
Pessoalmente, tinha algumas "vaquinhas" que segurava com afinco pelo rabo
para que não caíssem no precipício...
Certo dia, cansei, e soltei o rabo delas...
Foi assim que comecei a arar e plantar meus campos
e cuidar de minha horta...
Como já bem disse o poeta, Fernando Pessoa:
"... E é sempre melhor o impreciso que embala,
do que o certo que basta.
Porque o que basta, acaba onde basta.
E onde acaba, não basta.
E nada que se pareça com isto devia ser o sentido da vida".
Rosanna Pavesi/Abril 2017
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