Sem título - by Rosan
AUTO-ENGANO...
Mentimos para nós o tempo todo:
adiantamos o despertador para não perder a hora,
acreditamos nas juras da pessoa amada,
só levamos realmente a sério os argumentos que sustentam nossas crenças...
Temos a nosso próprio respeito uma opinião que quase nunca coincide
com a extensão de nossos defeitos e qualidades...
Sem o auto-engano,
a vida seria excessivamente dolorosa e desprovida de encanto.
Entretanto, abandonados a ele,
perdemos a dimensão que nos reúne às outras pessoas e possibilita a convivência social...
Quem somos? Por que acreditamos no que acreditamos?
Como viver?
As questões essenciais da existência e da realização humanas não respeitam
nem fronteiras acadêmicas nem convenções...
O saber especializado avança, o mistério e a perplexidade se adensam.
Eliminar falsas respostas é, às vezes,
mais fácil do que enfrentar as verdadeiras questões.
O que afinal sabemos sobre nós mesmos?
A racionalidade orienta mas não move...
a ciência ilumina, mas não sacia...
o progresso tecnológico acelera o tempo e abre o leque, mas ...
seria o suficiente?
O universo subjetivo no qual vivemos imersos é tão real
quanto o mundo objetivo no qual agimos.
A relação mais íntima, traiçoeira e definidora de um ser humano
é a que ele próprio trava consigo mesmo!
Qual o o lugar e o valor do auto-engano na vida prática,
tanto sob a ótica dos projetos, desejos e aspirações
de cada indivíduo em particular (ética pessoal)
como na perspectiva mais ampla da nossa convivência em
sociedades complexas (ética cívica)?
Como viver melhor individual e coletivamente?
Se a propensão ao auto-engano é com frequência uma maldição,
essa maldição parece também ser a fonte secreta e inigualável
das apostas no imponderável,
das quais dependem não só as maiores realizações criativas da humanidade
como a esperança selvagem e inexplicável que nos alimenta,
impulsiona e sustenta em nossas vidas.
Mapear, analisar, ilustrar e discutir as implicações
éticas do auto-engano na vida pública e privada,
tendo a formação de crenças e a conduta individual como focos privilegiados de investigação...
Pior que o simples desconhecimento, é a ignorância potenciada de uma falsa certeza -
o acreditar convicto de quem está seguro
de que sabe o que desconhece...
Abrir-se à dúvida radical - à possibilidade de que estejamos seriamente enganados
sobre nós mesmos e sobre as crenças, paixões e valores que nos governam -
é abrir-se à oportunidade de rever e avançar...
É ousar saber quem se é
para poder repensar a vida e
tornar-se quem se pode ser...
(Fonte: Eduardo Gianneti, Auto-Engano, São Paulo, Cia das Letras, 1997 - Ed. 2006)
Onde estamos, o que procuramos e no que pensamos enquanto lemos?
Mais uma vez, foi o livro que me procurou, e não o contrario...
Aqui está o depoimento de Fernando Pessoa, no papel de leitor,
que o próprio Giannetti transcreve no livro e que faço meu:
"Embora tenha sido um leitor voraz e ardente
não me recordo de nenhum livro que tenha lido,
a tal ponto eram minhas leituras estados de minha própria mente,
sonhos meus,
e mais ainda provocações de sonhos..."
Ler é recriar...
O diálogo interno do autor é a semente que frutifica (ou definha)
no diálogo interno do leitor.
A aposta é recíproca, o resultado imprevisível...
Assim como Giannetti aceitou o desafio de
pensar diretamente e por sua conta e risco a questão do auto-engano,
assim faço eu ao trazer este texto para meu blog...
Por minha conta e risco,
movida e inspirada pelo poder do
AQUI E AGORA
na introdução do novo na vida social...
Sem o que estaríamos reduzidos ao cálculo frio de um futuro insípido e previsível...
Rosanna Pavesi/Junho 2013
(
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