sábado, 31 de agosto de 2013

O DOM DA HISTÓRIA: A HISTÓRIA COMO DOAÇÃO...

Planeta Mundo (by Rosan)



O DOM DA HISTÓRIA: A HISTÓRIA COMO DOAÇÃO...

Segundo Clarissa Pinkola  Estés, entre seu povo,
"as perguntas costumam ser respondidas com histórias.
Como bonecas Matrióchka, as histórias se encaixam umas dentro das outras...
A primeira história quase sempre evoca outra, que chama uma outra,
até que  a resposta à pergunta se estenda por diversas histórias...
Considera-se que uma sequência de histórias proporciona
um insight mais amplo e mais profundo do que uma história única.

O dom essencial da história tem dois aspectos:
(a) que no mínimo reste uma criatura que saiba contar a história e que, com esse relato, 

(b )as forças maiores do amor, da generosidade e da perseverança sejam 
continuamente invocadas a se fazer presentes no mundo.

Nas duas tradições das quais Clarissa Pinkola Estes se origina - 
hispano-mexicana por nascimento e de imigrantes húngaros por adoção -
o relato de uma história é considerado uma prática espiritual básica.
Histórias, fábulas, mitos e folclore são aprendidos, elaborados, numerados 
e conservados da mesma forma que se mantém uma farmacopéia... 
Uma coleção de histórias culturais, e especialmente de histórias de família,
 é considerada tão necessária para uma vida longa e saudável 
quanto uma alimentação razoável, trabalho e relacionamentos razoáveis.

A vida de um guardião de histórias é uma combinação de pesquisador,
curandeiro, especialista em linguagem simbólica, narrador de histórias,
 inspirador e viajante do tempo.
A maioria delas não é usada como simples diversão...
De acordo com a aplicação folclórica elas são, sim, concebidas e tratadas
como um grande grupo de medicamentos de cura,
cada um exigindo preparação espiritual e certos insights 
por parte tanto do curandeiro como do paciente.

Essas histórias medicianais são tradicionalmente usadas de muitos modos diferentes.
Para ensinar, para corrigir erros, para iluminar, 
auxiliar a transformação, curar ferimentos, recriar a memória.
Seu principal objetivo consiste em instruir e embelezar a vida da alma do mundo.

É preciso que se saliente que muitos dos remédios, ou seja, histórias mais poderosas, 
surgem em decorrência de um sofrimento terrível e irresistível de um grupo ou de um indivíduo.
Pois a verdade é que grande parte da história deriva da aflição...

Aflição deles, nossa, minha, sua, de alguém que conhecemos, 
de alguém que não conhecemos e que está distante no tempo e no espaço.
E no entanto, por paradoxal que seja, 
essas mesmas histórias que brotam do sofrimento profundo,
podem fornecer as curas mais poderosas para os males passados, presentes e futuros.


Sem título (by Rosan)


A História Como  Doação...

Assim, percebe-se que a história como doação tem generatividade e genealogia. 
Para algumas histórias, considerações sobre a hora certa,
o local certo, a pessoa certa, a preparação certa e o objetivo certo
indicam quando e se a história deveria ser contada ou não...
Mas, para as histórias de família, histórias da nossa cultura e histórias da nossa vida pessoal,
qualquer hora pode ser exatamente a hora certa para se fazer a doação da história...

Como os sonhos noturnos, as histórias costumam usar a linguagem simbólica,
chegando direto ao espírito e à alma que procuram ouvir 
as instruções ancestrais e universais alí embutidas.
Em decorrência desse processo, as histórias podem ensinar,
corrigir erros, aliviar o coração e a escuridão, 
proporcionar abrigo psíquico, auxiliar a transformação e curar ferimentos.

Há quem diga que a comunhão se baseia em laços de sangue, 
às vezes ditada pela opção, às vezes pela necessidade.
E, embora isso seja verdade, o campo gravitacional imensamente mais forte, 
que mantém um grupo coeso está nas sua histórias... 
as histórias comuns e simples compartilhadas pelos seus membros.

Embora elas possam girar em torno de crises dominadas, de tragédias evitadas,
da ajuda que chega no último instante, iniciativas tolas, hilaridade desenfreada, 
e assim por diante, as histórias que as pessoas contam entre si 
criam um tecido forte que pode aquecer as noites espirituais e emocionais mais frias...
Portanto, as histórias que vêm à tona no grupo vão se tornando,
ao longo do tempo, tanto extremamente pessoais quanto eternas,
pois assumem vida própria quando são repetidas muitas vezes.

Seja a sua família velha, jovem ou ainda em formação,seja você amante ou amigo, 
são as experiências compartilhadas com os outros e as histórias que contamos 
depois sobre essas experiências, além daquelas que se trazem do passado e do futuro, 
que criam o vínculo definitivo...


A Chuva (by Rosan)


Sobre Contar uma História...

Não existe um jeito certo ou errado de se contar uma história...
Talvéz você se esqueça do início, do meio ou do final...
Mas um pouquinho de sol nascendo através de uma pequena janela 
também anima o coração.

Por isso, adule os velhos resmungões para que contem suas melhores lembranças.
Peça às crianças seus momentos mais felizes.
Pergunte aos adolescentes os momentos mais assustadores de suas vidas.
Dê a palávra aos velhos, passe por toda roda,
force os introvertidos, pergunte a cada pessoa...
Você vai ver: 
todos serão aquecidos, sustentados pelo círculo de histórias que criarem juntos...

Embora nenhum de nós vá viver para sempre, as histórias conseguem.
Enquanto restar uma criatura que saiba contar a história, e enquanto,
com o fato dela ser repetida, os poderes maiores de amor, generosidade,
perseverança forem continuamente invocados a estar no mundo, eu lhe garanto que...
será suficiente..."

(Fonte: Clarissa Pinkola Estés, Ph.D., O Dom da História: Uma Fábula sobre o que é suficiente, Rio de Janeiro, RJ, Rocco, 1998).




Conhecia Clarissa Pinkola Estés, como autora, por seu livro Mulheres que Correm com os Lobos, 
mas desconhecia sua tradição de contadora de histórias...
Encontrei este pequeno livro, para mim uma verdadeira pérola, 
na estante de uma livraria de aeorporto e, lê-lo, aqueceu meu coração naquele momento... 

Voltei atrás no tempo e me lembrei das tantas histórias de família 
que minha avò, minhas tias e tios me contavam na infância, nas longas noites de inverno, 
no campo, ainda sem televisão, e de como eu "viajava" no tempo e no espaço através delas...

Algumas eu costumava ainda contar para minhas filhas, antes de dormir,
após ter esgotado e vasto repertório clássico de histórias infantis 
e elas pedindo mais uma...mais uma...
Nunca parecia ser o suficiente...

Assim, estou "doando" este texto e espero que, quem for ler, 
se lembre de vez em quando,
de doar uma história...

Rosanna Pavesi/setembro 2013

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