domingo, 23 de junho de 2013

AUTO-ENGANO...

Sem título - by Rosan


AUTO-ENGANO...

Mentimos para nós o tempo todo:
adiantamos o despertador para não perder a hora,
acreditamos nas juras da pessoa amada,
só levamos realmente a sério os argumentos que sustentam nossas crenças...

Temos a nosso próprio respeito uma opinião que quase nunca coincide
com a extensão de nossos defeitos e qualidades...
Sem o auto-engano,
a vida seria excessivamente dolorosa e desprovida de encanto.
Entretanto, abandonados a ele,
perdemos a dimensão que nos reúne às outras pessoas e possibilita a convivência social...


Quem somos? Por que acreditamos no que acreditamos?
Como viver?
As questões essenciais da existência e da realização humanas não respeitam
nem fronteiras acadêmicas nem convenções...
O saber especializado avança, o mistério e a perplexidade se adensam.
Eliminar falsas respostas é, às vezes,
mais fácil do que enfrentar as verdadeiras questões.

O que afinal sabemos sobre nós mesmos?
A racionalidade orienta mas não move...
a ciência ilumina, mas não sacia...
o progresso tecnológico acelera o tempo e abre o leque, mas ...
seria o suficiente?

O universo subjetivo no qual vivemos imersos é tão real
quanto o mundo objetivo no qual agimos.
A relação mais íntima, traiçoeira e definidora de um ser humano
é a que ele próprio trava consigo mesmo!

Qual o o lugar e o valor do auto-engano na vida prática,
tanto sob a ótica dos projetos, desejos e aspirações
de cada indivíduo em particular (ética pessoal)
como na perspectiva mais ampla da nossa convivência em
sociedades complexas (ética cívica)?

Como viver melhor individual e coletivamente?

Se a propensão ao auto-engano é com frequência uma maldição,
essa maldição parece também ser a fonte secreta e inigualável
das apostas no imponderável,
das quais dependem não só as maiores realizações criativas da humanidade
como a esperança selvagem e inexplicável que nos alimenta,
impulsiona e sustenta em nossas vidas.

Mapear, analisar, ilustrar e discutir as implicações
 éticas do auto-engano  na vida pública e privada,
tendo a formação de crenças e a conduta individual como focos privilegiados de investigação...
Pior que o simples desconhecimento, é a ignorância potenciada de uma falsa certeza -
o acreditar convicto de quem está seguro
de que sabe o que desconhece...

Abrir-se à dúvida radical - à possibilidade de que estejamos seriamente enganados
sobre nós mesmos e sobre as crenças, paixões e valores que nos governam -
é abrir-se à oportunidade de rever e avançar...

É ousar saber quem se é
para poder repensar a vida e
tornar-se quem se pode ser...

(Fonte: Eduardo Gianneti, Auto-Engano, São Paulo, Cia das Letras, 1997 - Ed. 2006)

Onde estamos, o que procuramos e no que pensamos enquanto lemos?
Mais uma vez, foi o livro que me procurou, e não o contrario...

Aqui está o depoimento de Fernando Pessoa, no papel de leitor,
que o próprio Giannetti transcreve no livro e que faço meu:

"Embora tenha sido um leitor voraz e ardente
não me recordo de nenhum livro que tenha lido,
a tal ponto eram minhas leituras estados de minha própria mente,
sonhos meus,
e mais ainda provocações de sonhos..."

Ler é recriar...
O diálogo interno do autor é a semente que frutifica (ou definha)
no diálogo interno do leitor.
A aposta é recíproca, o resultado imprevisível...

Assim como Giannetti aceitou o desafio de
pensar diretamente e por sua conta e risco a questão do auto-engano,
assim faço eu ao trazer este texto para meu blog...

Por minha conta e risco,
movida e inspirada pelo poder do
AQUI E AGORA
na introdução do novo na vida social...
Sem o que estaríamos reduzidos ao cálculo frio de um futuro insípido e previsível...

Rosanna Pavesi/Junho 2013



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sábado, 15 de junho de 2013

A PAZ QUE VEM DE LONGE...




A PAZ QUE VEM DE LONGE...


O profeta Isaías diz:
 "Paz... paz aos que vêm de longe e aos que vêm de perto."

No Talmud este verso desperta a curiosidade pela inversão lógica do que esperaríamos:
"aos que vêm de perto e aos que vêm de longe".
Por que longe primeiro e perto depois?
Por que não o contrário?

Os rabis Abahu e Iochanan (século III) iniciam uma discordãncia interessante.
Eles reconhecem que o profeta não está falando de distâncias geográficas...

"Longe" são os que tiveram uma longa trajetória de erros até poder chegar.
"Perto" é a condição daqueles que tiveram poucas oportunidades de surpreender-se.
Sua trajetória é pequena nas veredas da alma.

Saudar os que vêm de longe primeiro em detrimento dos que vêm de perto
indica respeito especialmente aos não-acomodados- aos transgressores.
São pessoas que, para alcançar o "correto" do momento,
apostaram em muitos falsos "corretos"
 mas que, por profunda lealdade ao que é "bom",
jamais deixaram de ser perseguidores do " correto".

Os que, para perceber o "bom" do momento, apostaram em muitos falsos "bons"
mas que, por profunda lealdade ao que é "correto",
jamais deixaram de ser perseguidores do "bom".

(Notas: Nilton Bonder, A Alma Imoral, Rio de Janeiro, Rocco, 1998)


Esta pequena parábola, extraida do livro acima, propõe uma reflexão sobre o bem, o mal,
 o correto, o errado...
mas não fala do "justo"...

Nem sempre o que é bom para o momento é justo...
Nem sempre o que é correto para o momento é justo...
e seu contrário também é verdadeiro:
Nem sempre o que é justo é bom, ou correto, para o momento...
Transgredir (saudar os que vêm de longe...)
às vezes é bom, correto e justo
MAS
Obedecer (saudar os que vêm de perto...) 
também pode ser tão bom, correto e justo,
 quanto, dependendo do momento...

Na perspectiva junguiana, sempre que você sustenta um argumento,
deve também ser capaz de sustentar o seu contrário, ou seja,
ganhar distância do tema e obervá-lo a partir de diferentes perspectivas...

De forma que, toda verdade é sempre relativa...
E toda atitude, transgressão, e/ou obediência, também...
E o que é justo, ou parece ser justo, é sempre subjetivo...

Rosanna Pavesi/junho 2013 



sábado, 8 de junho de 2013

SOBRE SONHOS E FASES DA VIDA...


Sem título

SOBRE SONHOS E FASES DA VIDA...

Pergunta:
 " Nossa vida consciênte parece desenvolver-se através de fases bem definidas: infância, adolescência, vida adulta, etc.
Os sonhos têm um desenvolvimento paralelo?

Resposta de Marie-Louise von Franz:

Há uma diferença essencial entre os sonhos dos jovens e dos idosos e, no meio da vida, ocorre um estágio transitório. Pode-se dizer que em geral os sonhos dos jovens os ajudam a adaptar-se  à vida.
Há um movimento rumo à adaptação externa, à realização da vida amorosa, da ambição pessoal
e assim por diante.

De modo geral, a partir dos 35 e 40 anos, os sonhos visam também uma adaptação
à vida interior, a descoberta do sentido de própria vida.
Atualmente, porém, mesmo os mais jovens podem sentir a urgência da vida interior.
Estamos a tal ponto esmagados pela mentalidade massificada de nossa civilização,
que muitos de nós se sentem supérfluos, invisíveis, descartáveis, sem importância...

Na vida profissional, por exemplo, podemos sempre ser substituídos por outros vinte que disputam o mesmo posto ou até por uma máquina.
E isto tem um efeito muito destrutivo sobre o homem moderno...
Ou ele compensa, tornando-se um megolomaníaco que quer sempre estar por cima
e/ou, pelo menos, conquistar alguma coisa,
 ou então se sente completamente esmagado e supérfluo,
de modo que uma depressão insidiosa pode instalar-se nele.
Atualmente, encontra-se essa depressão já em muitos jovens.
De alguma forma, eles se sentem profundamente deprimidos e desencorajados.
Não acreditam em sua própria vida, nem no significado de sua existência...

Ora, os sonhos apontam para o indivíduo o sentido único da sua vida, vida também única.
Talvéz seja esse o aspecto mais importante da vida onírica.

Há duas mil árvores na floresta e todas não passam de árvores,
mas quando olhadas de perto e com atenção cada uma tem uma personalidade única.
Não há duas árvores iguais.
A natureza realiza seus padrões através de seres únicos e individuais.
Por isso o pensamento estatístico é tão pernicioso, tão nocivo.
Precisamos aprender a ver e respeitar a caráter único de  cada coisa em si.

A realidade consiste de um imenso número de seres únicos e
 os sonhos nos ajudam a descobrir os padões únicos de nossa vida.

Na prática psicológica moderna há uma queixa muito frequente entre as pessoas:
 "Minha vida não tem sentido... Para que? O que estou fazendo aqui? Para que serve isso tudo?
 Eu poderia muito bem não existir..." e assim por diante.
E aqui o sonho é singularmente importante ao indicar o que o inconsciente quer dessa pessoa,
o que ele quer que essa pessoa se torne...

Costuma ser surpreendente.
Quando as pessoas me procuram, às vezes tento "adivinhar" qual é o seu destino, sua tarefa.
Imagino o que acontecerá com elas.
Trata-se de um problema criativo?
 Será que essa garota tão infeliz no amor encontrará seu João ou seu José?
Eu nunca acerto.
O que acontece é uma total surpresa...

Todas as soluções são únicas e é isto que torna tão excitante trabalhar com sonhos.
Nada se repete. Você nunca pode prever com precisão.
A natureza sempre dá uma resposta criativa"

(Notas: Marie-Louise von Franz em conversa com Fraser Boa, O Caminho dos Sonhos, São Paulo, Cultrix, 1993)

Os sonhos nos indicam onde se encontra nossa energia e para onde ela quer ir...
Todo sonho é uma mensagem útil que propicia um insight sobre o sentido específico da nossa vida.
Noite após noite essas mensagens se repetem, chegando a mais de cem mil no decorrer de uma vida.

Se estudarmos nossos sonhos por um certo tempo, começaremos a perceber conexões significativas entre eles.
Parece haver uma força diretriz que nos guia até o nosso próprio destino individual.

Os sonhos são como cartas que recebemos: elas precisam ser abertas e lidas...

Hoje quase não escrevemos nem enviamos mais cartas...
Trocamos e-mails, comentamos, postamos, etc.etc.
Seja como for, precisamos fazer e manter contato com nossos sonhos,
"solicitar sua amizade e cultivá-la"...

Rosanna Pavesi/Junho 2013



quarta-feira, 5 de junho de 2013

AMAR A SI MESMO...

Espantalho (by Rosan)


AMAR A SI MESMO...

Parece frase de auto-ajuda, mas não é...
Parece egoismo, individualismo, mas não é...
Parece fácil, mas não é...

VEJAMOS:

"Amar a si mesmo não é coisa fácil exatamente porque significa
amar tudo dentro de si,
 inclusive a sombra, onde somos tão inferiores e socialmente não aceitos.
O cuidado que se presta a esta parte humilhante também é cura.
E mais: pelo fato da cura depender de cuidados,
cuidar às vezes não significa nada mais do que carregar...

 Amar a sombra poderá começar pelo fato de carregá-la,
mas mesmo isso não será suficiente.
A um dado momento uma outra coisa deverá irromper,
aquela compreensão que ri do paradoxo de nossa própria loucura,
que também é igual a de todos os homens.
Aí, então, poderá surgir a compreensão de tudo aquilo que é rejeitado e inferior,
 um caminhar junto e mesmo uma vivência parcial desse mundo.

A cura da sombra se apresenta, por um lado, como problema moral,
ou seja, o reconhecimento daquilo que foi reprimido.
Trata-se de descobrir quais os nossos objetivos,
e o que ferimos e até mesmo mutilamos em nome deles.

Por outro lado, a cura da sombra é um problema de amor...
Até onde irá esse amor por nossos mundos partidos e em ruínas,
por tudo aquilo que é desagradável e perverso dentro de nós?
Quanta caridade dedicamos a nossas fraquezas e doenças?

Até que ponto nos permitiremos construir internamente uma sociedade baseada no amor, 
onde exista vez e lugar para todos?
Nossas fraquezas congênitas, fixas e intratáveis de teimosia e cegueira,
mesquinhez e crueldade, arrogância e hipocrisia,
 aquela horda de  figuras desagradáveis e sombrias...
Precisamos descobrir a habilidade
de amar até mesmo a mais insignificante dentre delas...

(Fonte: James Hillman, Uma Busca  Interior em Psicologia e Religião, São Paulo, Ed. Paulinas, 1984)

Assim, amar verdadeiramente a si mesmo não é egoismo, muito pelo contrário...
É preciso coragem, humildade e, ao mesmo tempo, uma generosidade, difíceis,
 no reconhecimento e acolhimento
do sujo, feio e malvado que existem em nós também, não tão só no "outro"...
Amar e fazer a escolha  moral de não atuar nossa sombra,
 não por medo das consequências, ou da punição,
 mas por pura compaixão... 

Rosanna Pavesi/Junho 2013