segunda-feira, 10 de novembro de 2014

O OCO, O VAZIO E SEUS RECIPIENTES...

Garrafas by G. Morandi


O OCO, O VAZIO E SEUS RECIPIENTES...

RECIPIENTE: ALGO QUE CONTÉM...


O OCO DO RECIPIENTE...

O VAZIO NO OCO...


Cada recipiente possui sua forma específica.
Seu interior é oco, vazio.


Cada recipiente ganha forma ao redor deste oco vazio...
É o vazio que determina a forma, confere forma,
não a forma que determina o vazio...

Na Cultura Ocidental o espaço no interior de um recipiente é simplesmente isto:
um vazio...


Admiramos recipientes pela sua aparência externa,
quer seja a pátina de um pote, o corte de um cristal, a trama de um cesto,
a alça de uma caneca,..


Valorizamos seu interior unicamente pela sua função e na medida 

daquilo que eles podem conter:
 meio litro, um litro, um quilo, mito, pouco, mais menos e assim por diante...

Entretanto, no Budismo, o vazio do oco é menos um vácuo e mais uma força positiva:


É o espaço oco que contém o vazio...
É sempre o interior que modela ao redor de si mesmo a forma externa visível.

A firme e delicada imobilidade de um vaso chinês inicia-se em seu interior:
a forma elaborada que apreciamos externamente é a imobilidade que emana do oco vazio.
E é sempre um vazio específico que habita uma forma específica...


Cada cultura sempre influencia as formas dos recipientes produzidos;
 eles revelam qualidades misteriosas de uma cultura 
que talvez nenhuma outra de suas outras manifestações artísticas 
e textos escritos cheguem a revelar.

Formas estranhas, formas aperfeiçoadas de diversas dinastias chinesas, 
potes gregos, etruscos, fenícios, rococó francês, as cerâmicas de Picasso, 
os quietos conjuntos de garrafas de Morandi, 

A garrafa de cerveja, a antiga garrafa de Coca-Cola, a garrafa de leite, 
o cantil, e assim por diante...
Todos os recipientes expondo o invisível "espirito do tempo" de um época,,,
o visível moldado pelo invisível...

De forma geral, nossa natureza Ocidental aborrece o vácuo...
Tentamos preencher o vazio com o que quer que seja:
 "junk food", auto-ajuda barata, bebida, compras, 
os mais recentes "gadgets" tecnológicos, 
 etc,etc,

A Alquimia vai na contramão:
sugere que essas sensações e sentimentos de vazio
são prenúncios de um recipiente, ou diversos recipientes, 
em formação...

O vazio está construindo uma forma, um espaço oco, 
uma forma, um espaço oco específicos.

Modos de contenção, modo de medição, modos de diferenciação.

Talvez seja assim que a realidade da psique tente abrir seu caminho 
para ganhar vida,
 dar uma nova forma à nossa própria vida:
 através destes "sinais" de vazio...

Ás vezes o vazio pode ser localizado fisicamente: 
bem ali, na barriga,
logo atrás do coração, me fazendo sentir leve, tonto...

Ás vezes aparece em sonho como uma sensação de estar caindo no espaço, 
ou  como um buraco, uma caverna escura, um objeto com formato de ovo...

Enquanto NÃO atribuirmos poder formativo  
àquilo escondido no interior de um recipiente, 
continuaremos fazendo uma leitura unilateral de sua função: 

o jarro contém a água, o vaso contém as flores, o cesto contém as frutas...

Desta forma, o oco vazio interior não passa de um mero receptáculo:
o que conta é a água, as flores, as frutas.

Outra leitura possível:

o jarro está umidificando-se, 
o vaso florindo, 
o cesto frutificando...
o oco vazio como fonte de beleza...

Recipientes: métodos de contenção.

(Notas: tradução livre de um texto de James Hillman - The Void of Vessels em Alchemical Psychology - 
Uniform Edition Vol, V - Spring, 2010)


Você nunca se sentiu oca, porém não vazia?
Como se este espaço oco estivesse se preparando 
para se tornar um útero psicológico: 
um receptáculo para acolher e gestar algo novo? 

Eu já...

Por isto é texto de Hillman me fez pensar, 
refletir, mudar minha forma de ver "recipientes"...

Rosanna Pavesi/novembro 2014








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