domingo, 15 de abril de 2012

MITO E CORPO (2): PARTE I E PARTE II

                                                 MITO E CORPO (2) : PARTE I  E PARTE II

Adão e Eva (by Martha Telles)


PARTE I: CORPO E MITO
Eu sou corporificado, portanto experiencio que sou...

"Para mim, a mitologia é uma função da biologia (...) um produto da imaginação do soma. O que os nossos corpos dizem? E o que eles estão nos contando? A imaginação humana está enraizada nas energias do corpo (...)  (Joseph Campbell)



Segundo Keleman, uma imagem mítica é a forma da anatomia falando sobre si mesma.
Os mitos são os scripts das nossas formas genéticas em linguagem social.
Os mitos evocam o nosso self  somático mais profundo, mais íntimo, uma estrutura somática com muitas camadas de formas que conferem profundidade e dimensão ao nosso corpo.

A nossa percepção da nossa continuidade, subjetivamente como um processo corporal, é muito semelhante ao sonho e aos estados poéticos que formam os mitos. A realidade mítica é uma organização móvel, com um coração batendo, com marés de sentimentos e de formas.

O mito é uma história contada numa linguagem específica que os seres humanos inventaram para si mesmos. Ao contar um mito, uma parte do organismo pode falar com outra e os indivíduos podem partilhar as suas experiências internas com as pessoas à sua volta.

O corpo organiza a sensação que emerge do metabolismo tissular e isso é o que chamamos de consciência. Esse processo somático é a matriz para as histórias e imagens do mito.
Como usamos a nos mesmos para encenar as imagens míticas conhecidas ou desconhecidas que são parte de nossa vida? Porque, tendo ou não conhecimento disso, estamos vivendo essas histórias herdadas.
A mitologia está estruturada nas células.
Cada espermatozóide, cada óvulo, contém a história que é recriada no crescimento total de cada célula.

Os tipos míticos:
Wilkiam Sheldon, em sua teoria dos tipos constitucionais, descreve três temperamentos baseados nas três camadas embriológicas do corpo, a saber:

O Tipo Endomórfico, metabólico, no qual predominam os hormônios e os tecidos da digestão e da respiração. O endomorfo brota da camada visceral do embrião.Segundo o autor, esse temperamento orienta-se para o cuidado e a intimidade.
O Tipo Ectomórfico, no qual predominam os neuro-hormônios e os orgãos da sensação. O ectomorfo brota da camada intermediária do embrião. Segundo o autor, esse temperamento está orientado para coletar informações sensoriais.
O Tipo Mesomórfico, no qual predominam os hormônios da ação, os grandes músculos e os ossos. O mesomorfo brota da membrana externa do embrião. Segundo o autor, esse temperamento orienta-se para a ação.
Essas organizações somáticas são herdadas e, segundo Keleman, determinam o modo como as pessoas experienciam a si mesmas e como o mundo faz sentido para elas.

Cada uma dessas organizações está ligada a um conjunto diferente de mitos.
O endomorfo está ligado aos mitos dos fundadores de comunidades agrícolas, o ectomorfo está ligado aos mitos dos sábios e ascetas e o  mesomorfo está ligado aos mitos do guerreiro.

Cada um de nós é uma combinação dos três tipos.Cada um de nós combina a suavidade do endo, a firmeza do meso e a fragilidade do ecto.

Na história da humanidade, passamos pela era mitológica endomórfica, bem como por uma herança mesomórfica, forjando mudanças.
Agora, começamos a explorar o ectomórfico, o papel do indivíduo.

PARTE II: ENTRANDO NA VIDA FORMATIVA

Cante em mim, Musa, e por meu intermédio conte a história daquele homem habilidoso em todas as formas de luta (Homero, Odisséia)



Houve uma transformação tão rápida nos contatos economicos e sociais da nossa vida - eles mudam tão depressa agora - que nada é estável e você precisa fazer tudo sozinho. Você precisa irromper nesse campo não-interpretado para descobrir a própria interpretação mítica.
Esse é um desafio. Um desafio difícil, mas do qual pode dar conta. Se você se perceber num papel arquetípico qualquer em sua vida profissional, e dramatizá-lo arquetípicamente, teremos uma visão muito mais instrutiva de nós mesmos. Sem essa visão estamos numa terra devastada.
(grifo nosso) ( Joseph Campbell)

Segundo Keleman, abandonamos o corpo em nome de racionalidade e linguagem, símbolos e signos. O cérebro organizou uma realidade de imagem e pensamento, ao venerar a vida inivisível da consciência. Nós existimos numa Terra Devastada, onde as imagens vampirizam a vitalidade do soma, onde o pensamento está enamorado pelo próprio reflexo.Vivemos na Terra Devastada, onde os nossos corpos existem apenas para os propósitos da mente...

Usamos o cérebro para tornar nosso corpo um objeto. Originalmente, esse processo de criação de imagens destinava-se a organizar a experiência. Agora ele tomou o lugar da experiência corporal.
Em certo ponto, a capacidade de formar imagens e então símbolos, começou a tomar conta de nós.
O significado do símbolo torna-se um substituto da própria experiência.

Quando idealizamos a imagem em lugar da experiência corporal, nós nos descobrimos vivendo na imagem. A natureza tornou-se uma fotografia, uma idéia, um símbolo, uma imagem no cérebro - e o mesmo aconteceu com o corpo. Vivemos na imagem do corpo, não no corpo. Estamos enamorados pelas imagens do corpo, desconhecemos o corpo mesmo.

A experiência é parte do processo auto-organizador do corpo. Mantemos em nossos tecidos o evento real e uma organização de uma imagem do evento. De um único evento, organizamos o experiencial e o simbólico.
Ao aprendermos a viver novamente das nossas respostas orgânicas, o soma se produz a si mesmo, aprofundando os seus sentimentos e imagens.
Dessa maneira, construimos uma maturidade a partir da Terra Devastada.

O nosso processo somático organiza suas próprias imagens herdadas. Ele organiza a imagem do corpo humano - dois braços, duas pernas, dois olhos, posição ereta. Ele também organiza diferentes imagens corporais: o jovem, o adulto, o adulto em envelhecimento e assim por diante.
O processo somático também organiza formas que dão expressão pessoal ao nosso corpo.
A imagem e uma estrutura viva...O soma é um sistema ecológico, como a Terra...

(Fonte: Stanley Keleman, Mito E Corpo, Uma Conversa com Joseph Campbell -
(São Paulo, SP, Summus Editorial, 2001) 


Enquanto estava transcrevendo Keleman,  uma frase de Jung - lida em algum lugar da obra dele que agora não lembro - se fez presença:

UMA IMAGEM, POR MAIS BELA QUE SEJA, NUNCA PODE SUBSTITUIR A VIDA...

Rosanna Pavesi/Abril 2012





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